Da música à poesia, passando pelo teatro e stand up comedy, foram cinco noites de oferta da “prata da casa” à comunidade académica e a toda a cidade que se juntou à primeira edição do U.Porto Fest, o Festival que decorreu de 8 a 12 de junho, no Pátio do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP).

Criamos “um espaço de entusiasmo pela vida em comunidade”, afirmou Fátima Vieira, Vice-Reitora para a área da Cultura. Convocando a prata da casa, o primeiro festival de artes e espetáculos da U.Porto serviu também para festejar “um sentido de comunidade”, acrescentou. A Universidade do Porto abriu as suas portas para, com todos que se quiseram juntar a esta grande festa, ao ar livre, fazer a celebração dos seus 110 anos de existência.

É a Pronúncia do Norte

A noite de música fez-se com Pronúncia do Norte, claro está, e com “o barqueiro” Rui Reininho a dar voz aos versos originalmente cantados por Isabel Silvestre. Foi assim que caiu o pano da noite em que o U.Port Fest nos deu música.  “Agradecidos à universitas  por este momento!” atirou o mítico vocalista dos GNR, depois de ouvirmos os Disco.Voador que, da garganta de Joana Manarte, fez eclodir um vulcão de perguntas à laia de faúlhas a incendiar a consciência.

“O nosso conforto é construído às custas do desconforto de quem?” Vi-te a trabalhar o dia inteiro / construir as cidades pr´ós outros / carregar pedras, desperdiçar / muita força p´ra pouco dinheiro (…) que força é essa, amigo / que te põe de bem com outros / e de mal contigo / Que força é essa, amigo. A vida dos migrantes no Baixo Alentejo esteve sob o foco das luzes do palco do U.Porto Fest, através da ainda e sempre necessária letra de Sérgio Godinho. Também de doença mental e de violência contra as mulheres se fez este “retalho sonoro” porque a música também serve para denunciar e gritar! Sempre com a voz grave de Joana Manarte a tamborilar-nos a pele.

“Também sou feminista!” rematou Rui Reininho, no final deste pequeno concerto que chamou de “afirmação!” Por isso “fui para (a Faculdade de) Letras e daqui, desta casa, saíram ideais que defendi”, acrescentou o antigo aluno que, nos tempos da Faculdade, embora fosse mais assíduo do “bando de anarcas que ia para o Majestic”, também se sentava ao lado dos “loucos, judites, e dealers” do Piolho, um dos “epicentros mais criativos da cidade do Porto”, concluiu.

Pediram vinho do Porto porque “é doce” e porque iam “encher a boca de palavras amargas”.  Usurparam, como tinham prometido, versos de WC e modinhas do cancioneiro tradicional, as CRudE. Pelo palco passaram também os Sunflowers e os Jagtet, que chegaram com o “Expresso da Patagónia e saíram com o “Tóquio Express”.

A deusa da sabedoria

No palco do U.Porto Fest estiveram também não uma, mas várias Minervas, a deusa da sabedoria que oferece conhecimento ao ser humano. Uma era brasileira, feminista e temperamental (“você minerva!”), cuja impetuosidade foi silenciada pelo caracter reivindicativo de Afrodite que não vê graça alguma na igualdade de direitos entre homens e mulheres. Um Minervo encenador confessou-se em Burnout, até que outra Minerva estátua interrompe o discurso e sai de cena! Foram as Encenações Imaginárias que a Seiva Trupe trouxe ao pátio do Museu.

Rui Ramos, o Contador de Histórias e antigo estudante da Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP), também nos deixou a imaginar como teria sido a Ermida que deu lugar ao Colégio dos Órfãos, instituições que existiram no exato lugar onde hoje se ergue o edifício da Reitoria. Com ele, em palco, estiveram também a contar histórias representantes de todas as faculdades da Universidade do Porto.

Satisfeito pelo regresso aos palcos, já que “não dá para fazer stand up ao postigo”, estava Rui Xará! O também alumnus da FCUP afirmou que, trinta anos depois de andar a estudar, continuava a discordar de expressões como “Enterro da Gata” ou “Queima das Fitas”. É que, na verdade, o que se queima não são fitas… e o que o se enterra também não são gatas. Confessou que se matriculou no curso de química porque queria “conhecer o universo primeiro, para depois poder conhecer as mulheres”.

Rui Xará repetiu a matrícula 11 vezes, até desistir. Já o café Piolho, ali ao lado, diz que foi o único sítio onde fez “as cadeiras todas”.

A metafísica da palavra

A noite de poesia, apresentada por Isabel Morujão,  fez-se de palavras enlaçadas nas cornucópias da escadaria arte déco do Laboratório Ferreira da Silva . O busto do ilustre químico viu acederem-se as luzes e, de repente, um corrupio de cadeiras preencheu o espaço. Cadeiras a perder de vista no andar e cima e cadeiras a nascerem à volta das bancadas onde tantos dos seus alunos fizeram experiências e descobriram os mistérios da química… Que experiência seria esta?

Um emaranhado de fios de som cresceu à sua volta e depois… uns fiapos. Viu passar uns fiapos de xaile negro. Aí percebeu que se ia cantar o fado! Garras dos Sentidos foi o poema que Agustina Bessa-Luis escreveu e que, nesta noite, foi recordado pelo Orfeão Universitário do Porto.

Às vezes mais graves, outras vezes mais agudos, ora do lado direito ora do lado esquerdo da escadaria iam chegando uns fios de voz que, sem saber bem como… teceram um manto de veludo que lhe aconchegou os ombros naquela noite de tempestade. A noite que varreu todo o alfabeto com nomes de poetas da casa e que vai dar origem à publicação de um livro dos 110 poetas da U.Porto.

Venham mais 110!

São outros mistérios caro Professor… prendem-se com a metafísica da palavra e a química de metal fundente de um poema cantado.

Abrigou-nos do trovão que rasgou o céu e da chuva que martelou o chão do pátio do Museu. Obrigada Ferreira da Silva. O Professor concordaria, com toda a certeza, se, uns dias antes, tivesse ouvido Rui Reininho dizer, no Pátio do Museu, que “a maior violência é a ignorância”.

Parabéns Universidade do Porto! Venham mais 110!