Faria 85 anos, neste solarengo mês de outubro. José Rodrigues, o Guardador do Sol é uma viagem de 30 anos pela vida e obra do artista e antigo estudante e docente da Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP), precursora da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP). Com destaque para o período em que esteve na guerra colonial, esta exposição retrospetiva honra a vontade de José Rodrigues em tornar a arte acessível a todos. Para tatear, ouvir e ver, gratuitamente, de 20 de outubro a 30 de dezembro, nas galerias da Casa Comum, ao edifício da Reitoria da U.Porto.

Artista plástico com vasta obra nas áreas do desenho, escultura, gravura, ilustração, cenografia e medalhística, José Rodrigues (Luanda, 1936 – Porto, 2016) veio estudar para Portugal aos 16 anos. Tinha 25 anos quando regressou a Angola, convocado para combater com aqueles com quem tinha vivido até à adolescência. O povo com quem aprendeu a linguagem dos afetos. Não sendo tema de abordagem fácil, Ágata Rodrigues recorda a curta frase do pai: “Imagina o trauma de ter lutar contra as pessoas com quem se brincou em pequeno”.

A exposição José Rodrigues, o Guardador do Sol revela excertos da correspondência que manteve durante esse ano de 1961, período em que esteve em Luanda, com algumas incursões no mato: “Agora com o capacete na cabeça, com os carregadores cheios de balas, com a camisa colada ao corpo é difícil” (…) “Amanhã parto cheio de NADA para o norte…” (…) Se morrer (MORRER apesar de todas as tragédias já ditas e apresentadas) também não diz nada, MORRA ou não MORRA, VIVO é que não estou já”, dizia então.

Em José Rodrigues – Coordenação e seleção de textos de Laura Castro, Eugénio de Andrade recorda o “Zé”, regressado de África, “onde combatera, e começara a fazer a tese, um guerreiro africano, a dizer-nos que também ele fizera a guerra do lado errado”.

Cabeça de Guerreiro (estátua em bronze), 1962. Acessível ao toque. (Foto: DR)

Trazia “a guerra insuportável ainda na face” continua Eugénio de Andrade em Os Quatro Vintes. “Tosco, calado, perdido (…) A morte que sempre conhecera mostrara-lhe a face mais suja, e era insuportável” (…) Recorda os desenhos e esculturas de “uma poética articulada no limiar da desesperança”, onde “até a pobreza dos materiais – plumbagina, terra, cimento, areias” parecia “participar da catástrofe, como se outra coisa não pedisse aquele horizonte baço e frio, onde até o vento se esquece de passar”.

José Rodrigues, O Guardador do Sol

José Rodrigues concluiu o curso de Escultura em 1963, na ESBAP. Para a prova de conclusão de curso apresentou a escultura O Guardador do Sol, influenciada pela vivência da guerra colonial. Um trabalho que lhe valeu uma nota de 20 valores e um lugar entre os Quatro Vintes, ao lado de Jorge Pinheiro, Armando Alves e Ângelo de Sousa, todos eles formados com a classificação máxima nas Belas Artes do Porto, onde viriam a exercer atividade docente.

Zulmiro de Carvalho, antigo aluno de José Rodrigues, recorda a escultura “como uma expressão de forte volume, liberdade de modelação e simbologia poética”. É uma “homenagem ao povo africano”, acrescenta Ágata Rodrigues.

A exposição apresenta ainda uma paisagem sonora criada por Mariana Melo, um ambiente sonoro de selva africana enquadrada em ambiente de guerra.

S/ nome, Jardim de metal (década de 70). Acessível ao toque. (Foto: DR)

Um pequeno oásis de inclusão

Tornar as obras acessíveis a todos os públicos sempre foi uma preocupação de José Rodrigues, diz João Belchior, Diretor do Departamento de Ação Social da Santa Casa da Misericórdia, parceira do projeto. Neste sentido, José Rodrigues, o Guardador do Sol procurou diversas formas de aproximação à obra do artista, proporcionando “soluções diferentes, para problemas sensoriais e de inclusão diferentes”.

Na exposição, os cegos vão poder aceder a uma áudio-descrição de algumas peças e tocar em esculturas e reproduções bidimensionais que permitem identificar o relevo dos contornos dos quadros. Esta exposição é um “pequeno oásis”, afirma João Belchior, consciente do tanto que ainda há por fazer no combate ao “deserto inclusivo” até que a questão das acessibilidades se imponha de forma natural, ou seja, até que se consiga atingir uma espécie de “neutralidade inclusiva”.

Já para a vice-reitora da U.Porto Fátima Vieira, José Rodrigues, o Guardador do Sol é uma exposição que a Universidade apresenta “com particular entusiasmo”. Não só porque José Rodrigues foi “antigo aluno e professor”, mas também por “promover a inclusão e a democratização no acesso à arte e à cultura, pilares fundamentais da missão que defendemos e pela qual orientamos os nossos projetos”.

O trabalho de adaptação para a inclusão resulta de um projeto colaborativo com a Faculdade de Engenharia da U.Porto, liderado pelo docente António Coelho.

S/ título Escultura em ferro e liga metálica, 1966. (Foto: DR)

Três décadas “contadas” em cerca de 70 peças

A exposição propõe uma viagem de descoberta pelos anos 1960, 1970 e 1980 da produção de José Rodrigues. As cerca de 70 peças denunciam o impacto da experiência em África, mas também das viagens realizadas pela europa e pelo oriente.

Se o primeiro núcleo apresenta a influência da guerra colonial, o segundo, resultado de uma viagem realizada a Londres em 1964, dedica-se à Nova Escultura Inglesa. O terceiro e último núcleo faz uma seleção dos “jardins” em bronze e acrílico, que baralham as fronteiras entre o desenho e a escultura, influenciados pelas viagens ao oriente. Alexandre Lourenço, co curador (com Zulmiro de Carvalho) da exposição afirma que “José Rodrigues sempre explorou os limites de diferentes disciplinas artísticas, desde a escultura até ao desenho passando pela cerâmica, gravura, medalhística e cenografia”.

A partir da década de 1980, a obra de Arte Pública de José Rodrigues ganhou particular destaque. O roteiro da Arte de José Rodrigues em espaços públicos na cidade do Porto (da Faculdade de Belas Artes ao Cubo da Ribeira) está disponível no Museu Digital da U.Porto.

Atualmente, o artista tem mais de 50 obras espalhadas pelo país e pelo mundo, nomeadamente em Angola, Brasil, Macau e Estados Unidos da América.

José Rodrigues, o Guardador do Sol é uma experiência para tatear, ouvir e ver de 20 de outubro a 30 de dezembro, nas galerias da Casa Comum. A exposição pode ser visitada de segunda a sexta-feira,  das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 17h30, e aos sábados, das 15h00 às 18h00.

A entrada é livre.