O relatório mostra que cerca de 1 milhão de espécies animais e de plantas estão ameaçadas de extinção, muitas delas em poucas décadas, e mais do que nunca na história da humanidade. (Foto: DR)

A Biodiversidade está em declínio global a um ritmo sem precedentes na história da humanidade – o compasso de extinção de espécies está a acelerar, com graves impactos na vida das populações humanas em todo o mundo. É esta  a principal conclusão do mais recente relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema (IPBES), o qual contou com o contributo decisivo de Isabel Sousa Pinto, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP) e professora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

Compilado por 145 especialistas de 50 países ao longo dos últimos três anos, e reunindo contribuições de mais 310 autores, aquele que é o maior e mais abrangente estudo do género alguma vez realizado analisa as mudanças decorridas nas últimas cinco décadas, resultando daí um quadro abrangente da relação entre o desenvolvimento económico e os seus impactos na natureza. Para isso contribuiu “uma equipa fantástica, com peritos ao mais alto nível”, nota Isabel Sousa Pinto, que participou nas negociações para que o relatório pudesse ser aprovado antes do final da Assembleia Geral da IPBES.

Investigadora do CIIMAR e professora na FCUP, Isabel Sousa Pinto representou Portugal na plataforma IPBES entre 2013 e 2018. (Foto: DR)

Representante de Portugal naquela plataforma internacional entre 2013 e 2018, a investigadora esteve inserida no grupo de peritos que fez o enquadramento desta avaliação global da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas, assim como a estrutura do respetivo relatório. “Neste trabalho, as minhas grandes preocupações foram que a parte marinha estivesse integrada, desde a fase de enquadramento até á nomeação de peritos marinhos, e ainda verificar que, nas várias versões do texto que fui acompanhando e revendo, a parte marinha estivesse visível e fosse apropriada” refere.

De facto, o relatório apresenta factos notáveis que indicam que cerca de 66% do ambiente marinho foi significativamente alterado pela ação humana, que cerca de 75% dos recursos aquáticos de água doce estão hoje dedicados à agricultura e produção de gado, que, em 2015, 33% do stock de peixe no mar estava a ser explorado em níveis insustentáveis e que a poluição por plástico aumentou dez vezes desde 1980, entre outros cenários!

A investigadora refere que, “sendo este relatório sobre a biodiversidade em geral, há muitas vezes a tendência de focar na biodiversidade e serviços dos ecossistemas terrestres porque é a que conhecemos melhor. Como fui coordenadora de um capítulo da avaliação regional da Europa que foi aprovado no ano passado, sei muito bem que às vezes com as preocupações de cortar os textos e os tornar o mais sucintos possível, há elementos que se perdem. Mesmo durante as negociações estive envolvida em recuperar informação que estava no relatório para inserir no texto a aprovar.”

E o seu empenho fez-se valer, uma vez que as questões relacionadas com o mau uso do mar são apontadas pelo relatório IPBES entre os cinco maiores impulsionadores diretos da mudança natural e com os maiores impactos globais relativos. Os “culpados” são, por ordem decrescente: (1) alterações do uso do solo e do mar; (2) exploração direta dos organismos; (3) alterações climáticas; (4) poluição; (5) espécies exóticas invasoras.

As conclusões do estudo sugerem então um quadro sinistro, que indica que a saúde dos ecossistemas dos quais o ser humano e todas as outras espécies dependem, está a deteriorar-se mais rápido do que nunca na história da humanidade. E somos nós, seres humanos, que estamos a boicotar as fundações das nossas economias, dos nossos meios de subsistência, da segurança alimentar, da saúde e da qualidade de vida. Esta nossa “rede de segurança”, que é o Planeta Terra, está hoje esticada praticamente até ao seu limite.

O relatório mostra, contudo, que não é tarde demais para inverter a situação. Mas isso só se fará sentir se começarmos neste preciso momento a atuar quer ao nível global como ao nível local numa mudança transformativa focada na conservação, reparação e utilização sustentável dos ecossistemas. E por mudança transformativa entenda-se uma reorganização fundamental e abrangente de todo o sistema dos seus fatores tecnológicos, económicos e sociais, incluindo paradigmas, metas e valores.

Para isso, o relatório apresenta um vasto número de ações ilustrativas no sentido da sustentabilidade assim como vias para as alcançar. Estas ações são desenhadas sob a perspetiva de diversos sectores entre eles os sistemas marinhos e sistemas de água doce. Entre as ações a desenvovler, o relatório sublinha a importância de adotar gestão integrada e abordagens transversais aos diferentes setores que subentendem áreas como a alimentação, energia, infraestruturas, água doce e gestão da zona costeira e a conservação da biodiversidade.

Investigadora Principal do Laboratório de Biodiversidade Costeira do CIIMAR e Professora Associada do Departamento de Biologia da FCUP, Isabel Sousa Pinto foi, entre 2013 e 2018, a representante de Portugal – via FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) – na IPBES. Já este ano, foi eleita como membro do órgão máximo supervisão científica – o Multidisciplinary Expert Panel (MEP) – daquele órgão intergovernamental independente, aberto a todos os países membros das Nações Unidas, que se dedica à produção e análise de informação que apoie a decisão política e legislativa nas áreas ligadas à biodiversidade.