Quem, por estes dias, visitar a Torre e Museu dos Clérigos, vai poder ver de perto a exposição de fotografia Só, Neste Porto Só! Trata-se de um trabalho fotográfico de Clara Ramalhão, inicialmente publicado pela U.Porto Press, e que agora, num espaço reservado a exposições temporárias da Torre dos Clérigos, assume outras dimensões. Nomeadamente, a de registo histórico.

São trabalhos do olhar, colhidos durante um período marcante da nossa história, que nos são agora devolvidos. Rostos parados no tempo. Aquele tempo que, sem aviso prévio, nos bateu à porta. Foi num ápice que, de repente, nos deixou demasiado tempo a pairar sobre o incerto. Até à bênção das reinvenções, ficaram os minutos, as horas, os dias de vidas em suspenso.

Em março de 2020, quando eclodiu a pandemia, Clara Ramalhão, enquanto médica neurorradiologista, assistiu à transformação total do hospital onde trabalha, para dar resposta à catástrofe que nos assaltou, como também de toda a sociedade, tanto em casa como na rua. Houve uma “mudança de paradigma à qual todos tivemos de nos adaptar”, confessa a autora. Foi nessa altura que sentiu que deveria ir para o terreno.

De câmara na mão, captou cores, formas e rostos que marcaram este tempo de incertezas. De vazio de respostas. Fotografou “os silêncios de uma cidade parada, entre bancos abandonados, mesas esquecidas, janelas e portas entreabertas, ruas desertas, calçadas nuas, o raiar de luz entre sombras, magníficos perante a escassez”. Encontrou “olhares fugidios, de medo, de dúvida, de ligação ao mundo e a Deus, muitas vezes numa atitude de suplica”. Foi também a altura em que algumas “franjas da sociedade se tornaram mais visíveis”, acrescenta.

Com esta exposição, pretende-se mostrar a todos os visitantes da Torre “o que foi viver o Porto vazio, sem as suas gentes e sem os seus visitantes, mas, também, mostrar uma mensagem de luz e de esperança”, afirma o Padre Manuel Fernando, Presidente da Irmandade dos Clérigos.

Inaugurada no passado dia 18 de maio, Só Neste Porto Só! é uma exposição que funciona também como “um registo histórico de um momento ímpar da história da cidade do Porto”, diz-nos o diretor executivo, António Tavares.

A exposição está patente no quarto piso do Museu dos Clérigos. (Fotos: DR)

São cerca de 30 fotografias, algumas das quais com “rostos emblemáticos”, que refletem aquela que foi a primeira fase do “recolhimento e do medo”, acrescenta Clara Ramalhão. Retratos aos quais não escapa um olhar “de súplica e de fé”, como o que podemos ver, em grande escala, na fotografia que nos acolhe, quando entramos no espaço.

Com ruas e passeios povoados de ausência de vida, Só Neste Porto Só! é o registo de uma cidade esvaziada pela pandemia. Estes momentos vividos durante o confinamento foram também o mote para realizar Lockdown Porto, um filme de Paulo Pereira que está disponível no mesmo espaço expositivo. Este trabalho já valeu a Paulo Pereira a conquista de prémios no ciclo de cinema Finisterra – Arrábida Film Art & Tourism Festival, aos quais se juntou uma menção honrosa por parte do júri.

A exposição Só, Neste Porto Só! pode ser visitada das 09h00 às 19h00, até 31 de agosto de 2021, no quarto piso do Museu dos Clérigos. O bilhete, que permite o acesso à Torre, custa 6 euros.

(Foto: DR)

Sobre Clara Ramalhão

Clara Ramalhão nasceu em Lourenço Marques, Moçambique. É fotógrafa profissional desde 1997, atividade que concilia com a de médica neurorradiologista.

Autora de publicações nos domínios das artes e da medicina, assinou várias exposições de fotografia focadas maioritariamente na sua ligação a África, Entra elas inclui-se “A Voz da Forma“, exposição que esteve patente na Casa Comum da Reitoria da U.Porto entre dezembro de 2019 e os primeiros meses de 2020.