Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) analisou a relação entre o isolamento social e a existência de depressão numa amostra de pessoas com 60 anos ou mais da cidade do Porto, e concluiu que aqueles que vivem sozinhos não são necessariamente os que correm maior risco de desenvolver depressão. Na realidade, a ocorrência de depressão é mais frequente nos adultos mais velhos que têm falta de suporte social e que não estão envolvidos em atividades de lazer, independentemente de viverem sozinhos ou acompanhados.

O objetivo da investigação, desenvolvida em 2017, no âmbito do projeto HARMED, e publicada na revista Health and Social Care in the Community, era compreender que indicadores do isolamento social se associavam a uma maior propensão para a depressão numa amostra de pessoas com 60 ou mais anos de idade, residentes na cidade do Porto.

Como clarifica a investigadora Ana Henriques, primeira autora do estudo intitulado A multidimensional perspective of the relation between social isolation and depression among portuguese older adults, desenvolvido ao abrigo da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP, “a maioria dos estudos publicados define isolamento social de uma forma unidimensional, considerando apenas se as pessoas vivem sozinhas e se contactam com familiares e/ou amigos. No entanto, artigos mais recentes têm demonstrado que não se pode olhar para o isolamento com base apenas nestes indicadores. Há outras componentes, para além destas, que nos ajudam a ter uma visão mais completa do que é o isolamento social, nomeadamente, o envolvimento em atividades de lazer e o suporte social recebido.”.

“Tendo em conta que o isolamento social deve ser abordado de uma forma multidimensional, procurámos neste estudo compreender como é que os indicadores objetivos e subjetivos do isolamento se entrelaçam e contribuem para o desenvolvimento de depressão na amostra estudada. Esta é, aliás, uma das principais inovações deste artigo”, refere.

Avaliados mais de 600 indivíduos da cidade do Porto

Para conduzirem o estudo, os investigadores avaliaram 643 indivíduos, com idade igual ou superior a 60 anos, residentes na cidade do Porto, e participantes da coorte EPIPorto, um estudo longitudinal do ISPUP que segue, desde 1999, uma amostra de residentes da cidade do Porto, com o objetivo de avaliar os seus determinantes de saúde.

Os participantes foram questionados sobre o seu estado civil, a sua situação habitacional (se viviam sozinhos ou acompanhados), e sobre se realizavam atividades de lazer, como cuidar dos netos, passar tempo com a família, participar em atividades religiosas, realizar viagens ou fazer voluntariado. Para além destes indicadores objetivos, o inquérito incluiu também indicadores de natureza subjetiva. Neste caso, questionou-se os idosos sobre a sua perceção relativamente ao suporte social que recebiam por parte de familiares, amigos e/ou cônjuges.

De uma forma geral, constatou-se que 27.4% dos adultos mais velhos analisados sofria de depressão. Esta prevalência foi mais acentuada nas mulheres, que, quando consideradas isoladamente, apresentaram 30% de prevalência da doença.

A investigação demonstrou que o viver sozinho não deve ser encarado como o principal fator de isolamento associado à depressão. Constatou-se, aliás, que os indivíduos que vivem sozinhos, mas que têm um elevado suporte social e estão envolvidos em várias atividades de lazer, não apresentam maior probabilidade de desenvolver depressão quando comparados com os que moram com um/a parceiro/a.

A maior propensão para a depressão ocorre entre os adultos mais velhos que vivem sozinhos, mas que simultaneamente acumulam as desvantagens de possuir um baixo suporte social e pouco envolvimento em atividades de lazer.

Medidas de compensação são cruciais para a prevenção da depressão

Como se verificou, “as pessoas mais velhas que vivem sozinhas não são necessariamente aquelas que são mais suscetíveis à depressão, e, portanto, olhar só para essa variável como o único indicador de solidão ou isolamento poderá dar-nos uma visão incompleta. Todas as variáveis de suporte social e de prática de atividades de lazer têm, como vimos, um papel importante”, refere Ana Henriques.

A investigadora destaca, também, a importância da questão cumulativa, já que os idosos que vivem sozinhos, sem suporte social e sem atividades manifestam pior saúde mental. Assim, as variáveis de suporte social e de lazer são cruciais na compensação da situação habitacional das pessoas mais velhas, e podem ajudar a prevenir o isolamento e a depressão.

Este estudo poderá ainda ajudar os profissionais de saúde a identificarem precocemente pessoas mais velhas em risco de depressão, consideram os autores da investigação. “Em vez de adotarem uma abordagem remediativa, os profissionais de saúde poderão atuar mais cedo, identificando os adultos com mais idade que não têm atividades de lazer ou boas redes sociais, contribuindo assim para prevenir o isolamento social e a depressão nesta população”, refere Ana Henriques.

Os investigadores Makram Talih, Sílvia Fraga e Henrique Barros, do ISPUP, também assinam a investigação, que contou com a colaboração de Isabel Dias, do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Maria Pastor-Valero, da Universidad Miguel Hernández de Elche, e Alicia Matijasevich , da Universidade de São Paulo.

Sobre o projeto HARMED

O projeto HARMED – Socio-economic and health determinants of elder abuse, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), sob os programas Portugal 2020 e Compete, é um projeto resultante da colaboração entre o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (IS-UP) e o ISPUP, que procurou medir o impacto da crise socioeconómica, da violência e das questões sociais nos idosos. Para esta avaliação, foram utilizados dados provenientes da coorte EPIPorto.

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