Sabemos que é melhor ir à praia noutro dia quando há “carneirinhos” no mar, ou seja, pequenas ondas de espuma branca, geralmente associadas ao vento moderado a forte. Agora, investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) comprovaram que as ondas internas solitárias – ondas gigantes não-lineares que se propagam no interior do oceano – têm maior impacto na formação destes “carneirinhos” do que o próprio vento.

Na verdade, o que vemos ao longe quando passeamos à beira-mar são ondas a rebentar, como as que vemos junto ao areal. “Estas ondas foram observadas e descritas pela primeira vez por marinheiros há cerca de 200 anos, nos mares tropicais da Tailândia, e encontram-se documentadas no conhecido livro de Maury (1861). Na altura não se sabia qual era o fenómeno por detrás delas”, conta José da Silva, docente da FCUP e investigador no Instituto de Ciências da Terra (ICT). “O tipo de rebentação é a mesma das ondas que vemos na praia, mas a origem é diferente”, explica.

O que está por detrás, sabe-se agora com mais certeza, são as ondas internas solitárias, que têm mais de 100 metros de amplitude. De acordo com o oceanógrafo, “estas podem ter um papel mais preponderante do que o vento na rebentação de ondas na superfície do oceano profundo”, especialmente quando o vento não é forte.

“Na presença de uma onda interna, normalmente os carneirinhos são exacerbados e a sua presença é muito mais intensa”, acrescenta o docente, que dá aulas no Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território (DGAOT) da FCUP.

Para além deste resultado, os investigadores descobriram também que a altura das ondas decresce cerca de 30% quando a onda rebenta. O que pode significar, segundo a equipa da FCUP, que perdem parte significativa da energia devido à rebentação.

“A confirmar-se esta hipótese, estas descobertas podem ser relevantes para perceber onde há mais locais preponderantes de trocas gasosas (por exemplo o CO2, gás com efeito estufa) e de calor entre o oceano e a atmosfera”, refere o docente.

Estudo contou com a colaboração da Agência Espacial Europeia

A investigação conseguiu chegar à crista da onda com o apoio da Agência Espacial Europeia (ESA), fundamental para observar o fenómeno da rebentação das ondas. Com a observação de dados de satélite fornecidos pelo Sentinel -3, este estudo conseguiu de forma pioneira estudar a rebentação das ondas à superfície do oceano.

De acordo com os investigadores, este satélite da ESA foi fundamental devido à existência de dois sensores que funcionam e observam em simultâneo o mesmo lugar geométrico à superfície do oceano: a chamada sinergia. Um destes sensores, o altímetro de radar, funciona como uma espécie de GPS, só que em vez de enviar sinais para todas as direções, envia apenas na vertical. É assim criado um registo no tempo e no espaço que permite determinar a amplitude das ondas. Desta forma, conseguiram observar 10 casos de rebentação em datas diferentes. “Usámos, neste satélite, o radar altímetro e o sensor OLCI (Ocean and Land Colour Instrument) que é como se fosse uma câmara fotográfica montada a bordo do satélite”, explica o investigador da FCUP.

Mas as condições ideais para ver o mesmo local na superfície do oceano só surgem a cada 28 dias, devido às constrições orbitais. Por isso, para os cientistas, é fundamental mais tempo e encontrar mais casos de rebentação. “As ondas internas mais fortes têm locais privilegiados”, nota. Para um próximo estudo fica também a necessidade de comprovar se a diminuição da energia das ondas se deve exclusivamente, ou não, à rebentação.

“O nosso estudo poderá promover e contribuir para o desenvolvimento de novas técnicas de observação de rebentação de ondas à escala Global, que é reconhecido como elemento do programa CCI (Climate Change Initiative) da ESA”, remata José da Silva.

Recentemente publicada na revista Oceanography, dedicada às ciências marinhas, a investigação foi realizada com dados de satélite obtidos no Brasil, ao largo da foz do Rio Amazonas e no mar de Banda na Indonésia.

Da equipa da FCUP, fazem ainda parte Jorge M. Magalhães, investigador do DGAOT-FCUP e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), e Adriana M. Santos-Ferreira, estudante de doutoramento em Engenharia Geográfica. Este trabalho foi realizado em co-autoria com um dos “pais” da oceanografia SAR (sigla em inglês para Radar de Abertura Sintética) por satélite, Werner Alpers, da Universidade de Hamburgo, na Alemanha.