Inicialmente, era apaixonado pela biologia molecular e sentia indiferença pela área da neurobiologia, por parecer “um campo de investigação cheio de interrogações e poucas certezas”. No entanto, e porque “a vida gosta de ironias”, foi este mesmo campo que levou Vasco Galhardo a liderar um estudo sobre a redução de memória de curto prazo que afeta os doentes com dor crónica, publicado na última edição do prestigiado Journal of Neuroscience.

Natural de Lisboa, escolheu o Porto para os seus estudos, “atraído pelo ambiente de investigação que a universidade promovia”, e foi a meio do seu projeto de doutoramento que decidiu deixar a neuroanatomia e ir aprender neurofisiologia. Assim, trabalhou um ano na State University of New York, na altura em que a neurofisiologia iniciava a sua “revolução do analógico para o digital o que permitia pela primeira vez sonhar com a possibilidade de registar a atividade neuronal em larga escala”.

A nova metodologia proporcionou-lhe um grande entusiasmo, contudo não existiam muitos grupos de investigação, nem livros nem equipamentos de registos a utilizar para esse fim. Desta forma, e graças ao esforço de quase 15 anos de trabalho e experiências, a equipa de investigação de Vasco Galhardo atingiu o ponto de estabilidade e encontra-se “a colher os frutos”.

O professor auxiliar do Departamento de Biologia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e investigador do Instituto de Biologia Molecular e Celular da U.Porto (IBMC) procura hoje perceber, no laboratório e com os seus alunos, “que regiões do cérebro e que sistemas de neurotransmissores é que são os responsáveis pelas alterações de memória, atenção, tomada de decisão ou avaliação de risco que são causadas pela estimulação dolorosa prolongada”.

Fora do laboratório, Vasco Galhardo, 43 anos, dá primazia à serenidade e a um bom peixe grelhado, não escondendo o seu gosto especial por filmes, que ainda o fez hesitar na escolha entre a Faculdade de Ciências e a Escola Superior de Cinema.

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

Da diversidade e qualidade dos grupos de investigação em neurociências que trabalham nas várias faculdades e institutos. Existe uma verdadeira comunidade de neurociências que torna tudo muito mais rico e interessante.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Da falta de capacidade em passar das intenções às acções e implementar a prometida flexibilidade individual entre a carga lectiva e o trabalho de investigação. O financiamento científico é vital para a sustentabilidade e para a projecção externa da UP, mas apesar disso a universidade teima em não facilitar a vida às equipas de investigação: é difícil competir por financiamento internacional quando os nossos competidores europeus não gastam nem um quarto do tempo que nós dedicamos a aulas de licenciatura e a tarefas administrativas.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Implementar a flexibilidade de que falei na pergunta anterior. E acompanhar a tão necessária avaliação com os prometidos prémios de mérito.

– Como prefere passar os tempos livres?

No máximo de serenidade possível.

– Um livro preferido?
Pela melhor descrição da vida com esperança, “Histórias do bom Deus” de Rilke, e pela razão contrária, “O adeus às Armas” de Hemingway. E por todas as razões possíveis, qualquer página de Eça de Queirós e de Ruy Belo.

– Um disco/músico preferido?

O disco que me acompanha para todo o lado é “Dark Intervals”, de Keith Jarrett.

– Um prato preferido?

Um bom peixe grelhado num dos muitos restaurantes de Matosinhos.

– Um filme preferido?

Pergunta difícil para quem hesitou longamente entre escolher a Faculdade de Ciências e a Escola Superior de Cinema (o sentido prático venceu…). Tenho de escolher três: “Amanhecer” de Murnau, por ser o mais belo e barulhento dos filmes mudos; “Sacrifício” de Tarkovski, por ser o mais belo e sussurrante dos filmes sonoros; e “A Palavra” de Dreyer por ser o mais luminoso dos filmes.

– Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)?
Grand Canyon. Já foram três as minhas passagens por lá, mas isso é quase nada. Ver nascer o sol na Desert View Watchtower cura todas as maleitas da alma.

– Um objetivo de vida?
Faltam-me os três da resposta clássica: o filho, o livro e a árvore.

– Uma inspiração? 

A minha inspiração recebo-a diariamente de todos os que formam o meu pequeno grupo de investigação. Quem cria uma equipa fica preso ao peso de conseguir todos os anos financiamento para garantir a sua continuidade. Felizmente, são gente nova cheia de entusiasmo e de qualidade o que torna essa responsabilidade mais leve.

– Como vê o futuro da investigação em Portugal?

Vejo com franco optimismo apesar das muito óbvias dificuldades. Nas ciências da saúde – que conheço melhor – já conseguimos um padrão de qualidade de investigação que é suficientemente forte para sobreviver ao sobressalto actual. Temos vários grupos com bom peso europeu, e é aí que temos de conseguir financiamento mais estável. O nosso eterno problema é ter de mudar novamente de modelo quando ainda não tínhamos consolidado o anterior.