Foi um dos cientistas portugueses envolvidos na primeira medição espacial do redemoinho de massa que orbita um buraco negro de centenas de milhões de massas solares. Os resultados desta investigação, publicados na prestigiada revista Nature e conseguidos através das medições do instrumento GRAVITY – integrados no Very Large Telescope Interferometer (VLTI) do ESO –  e de uma câmara de infra-vermelhos – permitiram este feito inédito na história da astrofísica. “2018 foi o ano mirabilis do GRAVITY”, sintetiza Paulo Garcia. E “depois de uma década de trabalho a construí-lo, obtivemos resultados excecionais”, aponta o professor e investigador da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

Doutorado em Física pela Universidade de Lyon em 1999, Paulo Garcia chega à FEUP em 2001, ao Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. Um ano depois, foi um dos fundadores do Departamento de Engenharia Física. Foi professor visitante e Marie Curie Fellow na Universidade Joseph-Fourier, Grenoble em 2008/2010. Criou, em 2010, o Pólo FEUP da unidade FCT Laboratório de Sistemas, Instrumentação e Modelação em Ciências e Tecnologias do Ambiente e do Espaço, que se fundiu com a unidade Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) em 2013. No âmbito do GRAVITY, Paulo Garcia liderou a equipa que desenvolveu o software da câmara de aquisição e participa na exploração científica do instrumento.

Em licença sabática, Paulo Garcia encontra-se atualmente no European Southern Observatory, no Chile, a fazer medições com a equipa ligada ao GRAVITY.  Paralelamente, desenvolve atividades em inovação pedagógica, tendo coordenado o Laboratório de Ensino Aprendizagem (LEA) da FEUP, de 2013 até 2019.

– Naturalidade? Luanda, Angola
– Idade? 46 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?
Das pessoas. Dos estudantes, na sua diversidade, que nos mantêm jovens. Dos colegas docentes e técnicos que me dão muitos exemplos de qualidades humanas e profissionalismo, muitas vezes em condições que lhes são adversas.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?
Do seu imobilismo que é fruto da sua circunstância. A Universidade do Porto nunca será a mais importante do país (pela sua dimensão, distância ao centro do poder e falta de real autonomia). Por outro lado é dominante na região Norte. É uma Universidade agrilhoada na sua circunstância.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
Duas ideias! A primeira: trazer a pessoa humana para o centro da Universidade, pessoa que evolui no dia-a-dia, tornando-se melhor. Esta ascensão da pessoa humana, que deveria ser o objecto da Universidade, perdeu-se no nevoeiro de palavras do politicamente correcto e burocratês. A segunda: é acabar de vez com o sistema dual de ensino superior. Aceite-se a derrota de um sistema que nunca funcionou, acabe-se com a diferença entre politécnicos e universidades. Fomente-se a criação de reais consórcios de instituições de ensino superior com graus comuns.

– Como prefere passar os tempos livres?
Expondo-me ao Belo. Acredito que tal como os ciclos de aquecimento e arrefecimento usados na criação do aço temperado, a exposição à beleza da vida nos seus mais variados aspectos (das relações humanas, da natureza, das artes) é fonte de grande resiliência e força interior para ultrapassar as dificuldades da condição humana.

– Um livro preferido?
Não tenho um livro preferido, existem muitos livros que me marcaram. Um foi “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos” de Karl Popper que apesar de ter sido escrito num dado contexto e de ser objecto de algumas críticas fundadas se mantém muito atual. Outro é “The art and thought of Heraclitus, An edition of the fragments with translation and commentary” de Charles H. Kahn. Estes fragmentos (ruínas da escrita) que nos chegam de há 2.500 anos atrás são ecos de uma sabedoria muito concentrada e bela.

– Um disco/músico preferido?
É impossível responder a esta pergunta porque ouço milhares(?) de músicas dos mais variados estilos musicais. Prefiro referir outras obras de arte cujo primeiro contacto ficou para sempre gravado (talvez porque não pude repetir a experiência muitas vezes). As primeiras são a Primavera e o Nascimento de Vénus de Botticelli, na Galeria Uffizi. Outra é a escultura “O cavalo e o jóquei” no Museu Arqueológico de Atenas. São obras onde está lá tudo, basta olhar com atenção.

– Um prato preferido?
Não penso ser possível separar um prato do seu autor/executante. A resposta é simples: Açorda de lavagante no Restaurante O Gaveto, em Matozinhos, com um bom Douro branco. Há cerca de 10 anos vivi em Grenoble e vinha com alguma frequência a Portugal. O avião aterrava às 11h40, a família estava à espera e depois íamos todos ao Gaveto almoçar esta açorda. Um prato visualmente pouco interessante, como que usasse um véu, mas que se desvela em sabor, aromas e contrastes de texturas.

– Um filme preferido?
Aprecio realizadores e tento ver o maior número de filmes deles. Os meus preferidos são o Andrei Tarkovski e o Sergio Leone.

– Uma viagem de sonho?
Tive a sorte de ter feito muitas viagens a regiões com que sonhei nos anos oitenta, depois de ver documentários na televisão ou ler a National Geographic. Por cumprir há muitas, Amazonas, Madagáscar, Austrália, Japão…

– Um objetivo de vida?
Não tenho objectivos na vida, mas apenas métodos. Um é ter bem presente a morte e o caráter efémero da vida. É um método muito útil na tomada de decisões. Outro é focar a atenção em pequenas coisas e retirar o máximo delas.

– Uma inspiração?
Também não tenho grandes inspirações ou inspiradores. Como disse antes é muito fácil inspirar-me prestando atenção a pequenas coisas de grande beleza, na sua maioria ocasionais ou aleatórias, como uma gota que cai numa poça de água ou a sombra das folhas de outono na calçada.