César Lima, investigador da FPCEUP que participou neste estudo internacional.

Um estudo de investigadores da Universidade do Porto e do Reino Unido concluiu que pessoas que ouvem vozes e não sofrem de doenças mentais conseguem detetar fala escondida em sons sem sentido aparente de forma mais rápida e fácil do que pessoas que nunca tiveram experiência de alucinações auditivas.

Num artigo publicado na revista Brain, o estudo da Universidade do Porto, da University College London e da Durham University sugere que as pessoas com alucinações auditivas verbais têm uma maior tendência para perceber padrões de fala com sentido em estímulos auditivos pouco claros, sem sentido aparente.

De acordo com César Lima, investigador da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FPCEUP) que participou neste estudo, esta descoberta “poderá ter implicações, quer para o desenvolvimento de teorias sobre alucinações auditivas, quer para a compreensão de como o nosso cérebro lida com informação auditiva com valor comunicativo de forma geral”.

De facto, os investigadores acreditam que os resultados deste estudo ajudam a compreender os mecanismos cerebrais associados às alucinações auditivas e a forma como estas podem ocorrer em pessoas sem problemas de saúde mental. No futuro, poderão também levar cientistas e clínicos a encontrar formas mais eficazes de ajudar pessoas para quem a experiência de ouvir vozes é negativa, como pode acontecer em condições como a esquizofrenia ou a doença bipolar.

O estudo recorreu a scanner de ressonância magnética para determinar a resposta do cérebro a estímulos auditivos pouco claros.

Os participantes ouviram um conjunto de sons de fala alterada, criados artificialmente e conhecidos como sine-wave speech ou fala sinusoidal, enquanto estavam num scanner de ressonância magnética, o que permitiu registar as suas respostas cerebrais aos sons. Estes sons artificiais, embora mimetizem alguns elementos de fala natural, só são habitualmente reconhecidos como fala – e o seu significado compreendido – depois de ser dizer explicitamente às pessoas que se trata de sons de fala, ou depois de treino específico de descodificação.

Como explica César Lima, “não informámos os participantes sobre a possibilidade de os sons conterem fala antes de eles entrarem no scanner de ressonância magnética, nem lhes pedimos que os tentassem compreender. Ainda assim, o cérebro dos participantes que ouvem vozes respondeu de forma distinta aos sons que continham fala escondida, por comparação aos sons que não tinham qualquer conteúdo”.

O investigador da FPCEUP revela que estes resultados possuem um grande interesse “porque sugere que o cérebro destas pessoas consegue detetar, de forma automática, sentido em sons ambíguos. Sons que para a maioria das pessoas são difíceis de compreender, não têm sentido aparente”.

Realizado na University College London, no âmbito de uma colaboração com o projeto “Hearing the Voice” da Durham University, um projeto multidisciplinar financiado pela Wellcome Trust, neste estudo participaram 12 pessoas que ouvem vozes regularmente e 17 participantes controlo, que nunca tiveram a experiência de ouvir vozes. Nove dos 12 que ouvem vozes (75%) indicaram detetar a fala disfarçada nos sons ambíguos, por comparação a 8 em 17 (47%) dos participantes controlo.