Quando recebeu a notícia, há umas semanas atrás, de que tinha conquistado a edição 2021 do prémio de Excelência Científica da Universidade do Porto, Vítor Vasconcelos não hesitou em referir-se ao galardão como “o meu Óscar cientifico!“. E isto diz muito do percurso que este professor da Faculdade de Ciências (FCUP) e atual presidente da direção do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP) vem desenhando, há mais de três décadas, nos corredores e laboratórios da Universidade.

À pergunta da praxe – Como surgiu a veia científica? -, a resposta de Vítor Vasconcelos evoca as memórias de infância transversais a gentes e gerações: a observação das pequenas caixas de minerais, da casca da cebola ou das paramécias no seu primeiro microscópio, das experiências com um pequeno kit de química, das cromatografias de extratos de plantas feitas em papel de filtro e “das séries de televisão do naturalista Felix Rodriguez de la Fuente!”. E foi esse interesse pela Biologia QUE acabou por guiá-lo para a licenciatura na FCUP, durante a qual que se deixou fascinar pelo plâncton das albufeiras do norte de Portugal, com especial destaque para as cianobactérias, então chamadas “algas azuis”.

“O aparecimento de grandes desenvolvimentos populacionais destes organismos na albufeira de Crestuma e a tentativa de compreensão e resolução deste problema, despoletou o início do meu interesse pelas toxinas que estas poderiam produzir e os seus impactos na saúde humana e ambiental”, recorda. Desde então, as toxinas de origem aquática constituem o seu primeiro eixo de investigação. E com um contributo inquestionável. Graças ao trabalho de doutoramento que desenvolveu na U.Porto, e ainda de incursões na Direção Geral da Saúde e no, então, Instituto Nacional da Água, muitos parâmetros de qualidade da água associados às cianobactérias e toxinas estão hoje legislados para o nosso país.

Em paralelo com a investigação da situação relativa às toxinas marinhas emergentes, Vítor Vasconcelos investiu também uma parte da última década na área da biotecnologia azul. Recorrendo aos frutos do seu doutoramento, criou uma autêntica biblioteca destes microorganismos – a coleção de culturas de cianobactérias LEGE-CC – que  conta já com 1200 estirpes maioritariamente isoladas de diversos ecossistemas nacionais.

Um dos ex-libris do CIIMAR, esta coleção única no país tem sido utilizada na “procura de novas moléculas e extratos com potencial valorização biotecnológica” em domínios tão variados como o desenvolvimento de antibióticos, agentes anticancerígenos, substâncias que previnam a obesidade ou que possam ser formular novos cosméticos, nutracêuticos, entre outras aplicações. O objetivo? “Contribuir para que Portugal se torne uma potência mundial na área da Biotecnologia Azul, no final desta década”.

E porque uma parte importante do papel de um investigador é ser mentor, Vítor Vasconcelos desdobra-se ainda como professor catedrático na FCUP e professor convidado em inúmeras universidades em todo o mundo. Até porque, como confessa, “a melhor forma de se ser um excelente cientista e uma excelente pessoa é partilhar sempre o nosso conhecimento com os que nos rodeiam”.

– Naturalidade? Guimarães

– Idade? 58 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

Da capacidade que tem de atrair os melhores estudantes do país e da diversidade de áreas científicas que permitem trabalhar em verdadeira multi- e interdisciplinaridade.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Da dispersão geográfica, da excessiva pulverização do poder que só causa entropia e nos fragiliza face a universidades mais recentes e da dificuldade de ter um sistema de avaliação docente com consequências na carreira individual dos seus membros, para o bem e para o mal.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Fazer com que o ecossistema de centros e institutos de investigação e desenvolvimento funcionem em sinergia com as unidades orgânicas e não em competição, todos ganhariam e, em especial, a U Porto. Mais uma vez isso dar-nos-ia vantagens competitivas face a qualquer outra universidade nacional.

– Como prefere passar os tempos livres?

A minha veia de biólogo e a oportunidade de poder ter em casa uma horta biológica, jardim e estufa de bromélias, permite-me canalizar alguma da minha energia para estas atividades que além de salutares, geram produtos biológicos e reduzem a minha pegada de carbono. Por outro lado, alimentam outra paixão, a gastronomia, que é sempre o melhor escape ao fim de um dia cansativo. Além disso, caminhar pelo Porto e descobrir as mudanças que a cidade vai sofrendo mesmo nestes tempos de pandemia. Por último e sempre, viajar, seja em trabalho seja em férias. Tenho a felicidade de a minha profissão me poder proporcionar viagens inesquecíveis e todos os anos conhecer gente extraordinária pelo mundo fora.

– Um livro preferido?

Todos os livros do naturalista Gerard Durrell

– Um disco/músico preferido?

Pedro Abrunhosa.

– Um prato preferido?

O cozido à portuguesa da minha mãe.

– Um filme preferido?

The Cook, the Thief, His Wife & Her Lover, de Peter Greenaway.

– Uma viagem de sonho?

A realizar: Nova Zelândia, Terra do Fogo, Papua Nova Guiné, …

– Um objetivo de vida?

Continuar a ser feliz a investigar e a transmitir os novos conhecimentos a estudantes, a colegas por todo o mundo e à comunidade em geral.

– Uma inspiração?

O meu coorientador de doutoramento Wayne Carmichael, na altura na Wright State University, Ohio, EUA, que me mostrou que a melhor forma de se ser um excelente cientista e uma excelente pessoa é partilhar sempre o nosso conhecimento com os que nos rodeiam. Fiz desta aprendizagem o meu modo de encarar a ciência.

– O projeto da sua vida?

Todos os projetos que tenho feito são projetos de vida, mas o Grande Projeto será contribuir para que Portugal se torne uma potência mundial na área da Biotecnologia Azul, no final desta década.

– Uma rotina ou atividade que contribui para o sucesso da sua produtividade científica?

Um deles, devo-o à U.Porto quando há três anos atrás decidi candidatar-me ao programa e-bike da UP. Não imaginava que aquele ano em que usufrui da bicicleta elétrica deste programa me fizesse voltar a acreditar que é possível usar este meio de transporte no Porto. E hoje em dia, sempre que o tempo permite, percorro os 10 km entre a minha casa no centro do porto e a sede do CIIMAR no terminal de cruzeiros do porto de Leixões em Matosinhos a pedalar.