Apaixonada pela química orgânica, Paula Gomes, docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e investigadora do Laboratório Associado para a Química Verde – LAQV- REQUIMTE, tem vindo a trabalhar em vários projetos de investigação que ligam a química à saúde.

O mais recente, que está a liderar, conquistou a atenção da Fundação para a Ciência e Tecnologia e foi um dos selecionados para financiamento no âmbito das comemorações do V Centenário da Viagem de Circum-Navegação de Fernão de Magalhães. O projeto pretende dar resposta a uma das maiores ameaças de saúde pública da atualidade: a disseminação de agentes infeciosos multirresistentes, desde bactérias ou fungos a parasitas da malária ou da leishmaniose, explorando, com esse intuito, o potencial de toxinas de serpentes amazónicas.

Para além disso, está ainda  envolvida em projetos como o VIDA-FROG, que permitiu a descoberta de moléculas presentes na pele dos anfíbios que habitam em Portugal, que podem ter propriedades terapêuticas no combate a doenças como a leishmaniose, a diabetes e doenças neurodegenerativas. A malária tem sido também um dos temas de vários trabalhos de investigação, de que se destaca, por exemplo, a descoberta, em 2013, de compostos promissores no combate a esta doença infeciosa.

A paixão de Paula Gomes pela química começou quando ainda estava no ensino secundário, altura em que conheceu uma das suas maiores inspirações – o Professor Emérito da U.Porto, Carlos Corrêa, que a motivou a estudar na FCUP. Ao entrar nesta faculdade, cumpriu o seu “sonho estudantil”, que haveria de culminar com a conclusão da Licenciatura em Química (ramo científico) em 1993, seguindo depois para o mestrado em Química. Foi também na FCUP que ingressou na Carreira Docente Universitária, em 1992, como Monitora.

De 1997 a 2000, esteve equiparada a bolseira em Espanha, para realizar o seu Doutoramento na Faculdade de Química da Universidade de Barcelona. Regressou depois à FCUP, onde hoje é Professora Associada Agregada. Em 2017, foi nomeada como Representante Nacional na Divisão VII – Química e Saúde Humana, da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC – International Union for Pure and Applied Chemistry). Foi também na FCUP que criou o seu próprio grupo de investigação, ligado à Síntese Peptídica.

Atualmente, concilia as aulas com a investigação e a formação de jovens investigadores de pré e de pós-graduação, tendo por ambição o estabelecimento “de forma sólida e duradoura” do Laboratório de Química de Péptidos da FCUP, primeiro e único do seu tipo em Portugal.

– Naturalidade? Massarelos, Porto

– Idade? 49 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto? Gosto particularmente da sua capacidade única de aliar o respeito e o orgulho pelos seus quase 110 anos de história, com um enorme dinamismo e uma forte aposta na modernização, inovação e excelência, objetivamente demonstradas quer pela qualidade do seu ensino, quer pelos indicadores de produtividade científica e tecnológica, quer ainda pela sua projeção internacional.

– De que menos gosta na Universidade do Porto? Da impossibilidade física/geográfica de termos todas as instituições do perímetro da Universidade concentradas num só campus. É certo que o facto de termos diferentes polos integrados no seio da cidade é uma característica intrínseca à U.Porto que tem algumas vantagens. Mas, pessoalmente, sou adepta do modelo de um só grande campus universitário, pelo que se ganha em termos de mobilidade, de racionalização de serviços e plataformas comuns e até porque proporciona um ambiente mais propício a tornar-se um campo fértil para “networking” e “incubação de ideias”.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
Desde há muito que penso que a inexistência de creches/infantários para os filhos dos membros da comunidade U.Porto é uma lacuna importante que se deveria procurar preencher, criando-se pelo menos um destes equipamentos em cada polo.

– Como prefere passar os tempos livres?
Fazendo coisas muito normais, como ler (gostaria de ter muito mais tempo para isso), fazer experiências culinárias (com resultados imprevisíveis) e ver algumas séries televisivas (intriga/policiais). Estando bom tempo, gosto de praticar o “vá para fora cá dentro” em família e de passear tranquilamente pela natureza, de preferência em locais perto de água.

– Um livro preferido?
Gosto de tantos…mas vou conceder a “O Perfume”, de Patrick Süskind, esse estatuto.

– Um disco/músico preferido?
Aprecio com igual interesse e intensidade géneros musicais muito distintos. A escolher um só disco e um só músico, então opto, respetivamente, por “A night at the Opera”, dos Queen, e por Pedro Abrunhosa (mas custa-me deixar outros, que acho igualmente fantásticos, de fora… como os Clã, o Jorge Palma, o António Variações…).

– Um prato preferido?
Nas carnes, dou o primeiro lugar do pódio ao cozido à portuguesa; nos peixes, esse lugar é, sem dúvida, para a popular sardinha assada (mas tem que ser da boa!) com pimentos e broa de milho. Mas gosto de tanta outra coisa da nossa maravilhosa cozinha portuguesa…ainda assim, de vez em quando, atraiçoo-a com um sashimizito.

– Um filme preferido?
“La vita è bella”, de Roberto Benigni (mas não se iludam, também sou adepta de filmes como os do universo “Star Wars”…)

– Uma viagem de sonho?
Ocorrem-me algumas… tendo que escolher uma, optaria por alugar um automóvel algures na América do Norte, para percorrê-la, desde o Círculo Polar Ártico ao Trópico de Caranguejo e desde a Costa Leste à Costa Oeste, sem pressas e em boa companhia…tal não sendo possível, então levava essa mesma companhia a viajar de comboio, numa recriação combinada do Expresso do Oriente com o Transiberiano.

– Um objetivo de vida? Sei que é um cliché, mas realmente o meu principal objetivo de vida é ter inteligência para criar a minha própria felicidade e contribuir, de alguma forma, para a felicidade e realização pessoal de outros, em especial, daqueles que me são próximos. Claro que a felicidade é o resultado da soma de pequenos nadas que diferem de pessoa para pessoa e, especialmente, da capacidade de cada um para lutar pelo que realmente pode e deve alcançar e para aceitar que há coisas inalcançáveis.

– Uma inspiração?
Há algumas Pessoas que me têm inspirado ao longo da vida. Mas, sem dúvida, o Professor Carlos Corrêa, Professor Emérito desta Universidade, é uma das minhas maiores inspirações. Tive o privilégio de conhecê-lo quando ainda era uma jovem estudante do 11º ano, pois tive o atrevimento de ir procurá-lo à Faculdade de Ciências (então ainda sedeada no edifício “dos Leões” onde hoje é a Reitoria) para lhe pedir uma cópia da sua famosa coletânea de “Experiências de Salão”, para preparar a minha equipa para uma espécie de “Jogos Sem Fronteiras” da Química (as “Henriquíadas da Química”), dinamizados pela Escola Secundária Infante D. Henrique, que eu frequentava nessa altura. Logo então, pude aperceber-me que estava perante uma Pessoa que congrega tudo o que eu mais admiro: um grande intelecto aliado a um coração ainda maior, com uma personalidade transparente, autêntica e despretensiosa. Quando cumpri o meu sonho estudantil de ingressar na FCUP para aí obter a minha Licenciatura em Química, os nossos caminhos voltaram a cruzar-se, nas suas fantásticas aulas de Química Orgânica. Mais tarde, já como docente da mesma secção científico-pedagógica de Química Orgânica, tive a honra de trabalhar de perto com ele até à sua jubilação, o que fortaleceu a enorme admiração que eu já nutria por este grande Professor e grande Homem.

– O projeto da sua vida.
No domínio pessoal, o meu projeto de vida é conseguir transmitir, aos “adultos em construção” que são os meus filhos, aquilo que me parece ser realmente importante, como serem honestos com os outros e com eles próprios, acreditarem no seu valor e verem no empenho e na resiliência, mas também na paixão, ferramentas essenciais de vida. Que saibam o que é a ética e a lealdade e sintam alegria não só pelo próprio sucesso, mas também pelo sucesso dos outros. Enfim, que entendam que corpos com luz própria iluminam até a noite mais escura… No domínio profissional, o meu principal projeto é o estabelecimento, de forma sólida e duradoura, do Laboratório de Química de Péptidos da FCUP, primeiro e único do seu tipo no país, tornando-o uma “marca de confiança”. Este projeto, aliado à formação avançada em síntese peptídica que temos vindo a conferir a muitos jovens investigadores de pré- e pós-graduação, desde 2002, são a minha forma de reconhecimento à U.Porto pela oportunidade que me deu ao conceder-me equiparação a bolseira fora do país para poder especializar-me nesta área, durante o meu doutoramento.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto.
Penso muitas vezes que se deveria (re)criar a carreira de Investigador no sistema universitário português. Temos pessoas extraordinárias a trabalhar connosco diariamente nos nossos laboratórios de investigação, pessoas de cujo mérito, esforço e dedicação nascem importantes avanços nas fronteiras do conhecimento, avanços esses essenciais para manter os elevados níveis de excelência e de produtividade de que a nossa Universidade tanto se orgulha. Acredito que haja muitas barreiras difíceis de transpor para tornar esta ideia uma realidade, mas é preciso encontrar formas de evitar que muitos dos nossos melhores investigadores vivam em permanente incerteza quanto ao seu futuro. Até porque essa incerteza é, também, de todos nós, ao não favorecer a estabilização de equipas de investigação nem permitir colher em pleno os frutos da formação avançada que conferimos a investigadores que, muitas vezes, acabam por se ver forçados a procurar noutros lugares as oportunidades que cá não surgem.