Nascido e criado em Moçambique, no seio de uma família modesta, Nelson Cuboia é, aos 34 anos, médico, investigador e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde completou, recentemente, o Doutoramento em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde (PDICCS) com um trabalho de investigação sobre doenças infeciosas, em particular o mapeamento da incidência e dos determinantes de tuberculose sensível, tuberculose resistente aos medicamentos e VIH-SIDA, em Moçambique.

Filho de um pastor de uma Igreja Evangélica e de mãe camponesa, viveu em diferentes zonas do país. Dedicou-se à agricultura e vendeu doces para ajudar a pagar as contas depois de perder o pai, aos 14 anos. Queria ser médico para aliviar o sofrimento das pessoas, embora só tenha visto o primeiro na Universidade.

Entre 2009 e 2015, fez o curso de Medicina na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, a mais de mil quilómetros de casa, com uma bolsa de estudo. Exerceu no Hospital Rural de Chicumbane, em Gaza, onde foi responsável pelo Serviço de Medicina Interna e pela criação do centro de tratamento de dor crónica e cuidados paliativos. Foi “uma pequena semente” que germinou, com a colaboração de organizações de Portugal e França, nomeadamente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), Douleurs sans fronteires (DSF) e da Agence Française de Développement (AFD).

França foi a porta de entrada  de Nelson Cuboia na Europa. Fez estágio profissional no Hospital Lariboisière e pós-graduação em Medicina da Dor na Universidade de Paris. Em 2017, rumou ao Hospital Garcia de Orta, em Lisboa, com uma bolsa para um estágio em Medicina da Dor, e ingressou no Mestrado em Cuidados Paliativos da FMUP, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, seguindo-se o PDICCS, na mesma instituição, com bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Desenvolvida ao longo de cinco anos, a sua investigação mostrou, pela primeira vez, que existem “microepidemias” de tuberculose, sobretudo no Sul e Centro de Moçambique. Dos 154 distritos, 64 são “críticos” relativamente à tuberculose sensível aos medicamentos, 26 têm maior incidência de tuberculose resistente aos medicamentos e 39 registam números preocupantes em crianças, o que aumenta o risco de transmissão comunitária.

Além disso, os seus estudos demonstraram que a incidência da tuberculose pode ser explicada pelos fatores sociodemográficos, culturais, económicos, ambientais e pela prevalência do HIV. Considerada a terceira causa de morte em Moçambique, a tuberculose foi decretada “emergência nacional”. Identificar os locais mais afetados permite definir prioridades e gerir melhor os recursos, tendo também em conta que grande parte dos fundos provém de doadores internacionais.

O trabalho de Nelson Cuboia está a contribuir para informar as políticas públicas de saúde e a missão de Organizações Não-Governamentais (ONG), através do mapeamento e priorização de zonas problemáticas. Ainda com muita vontade de aprender, o seu objetivo é contribuir para aumentar o conhecimento e continuar a ajudar a comunidade e os decisores através da produção de evidências científicas.

Naturalidade? Moçambique

Idade? 34 anos

De que mais gosta na Universidade do Porto?

O que mais gosto é da sua abertura para o mundo. Conheci muitas pessoas de várias regiões do mundo, inclusive de África e até de Moçambique, através desta Universidade do Porto. Isso é fenomenal. A U.Porto quebra barreiras geográficas e junta as pessoas com um propósito comum, sem fronteiras.

Do que menos gosta na Universidade do Porto?

É difícil dizer porque estou apaixonado pela Universidade do Porto. Como alguém que está apaixonado, os meus olhos estão nas boas coisas.

Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Gostaria que houvesse mais colaboração com Universidades dos PALOP, por exemplo, a criação de cursos de Mestrado e Doutoramento conjuntos com os países africanos. O meu sonho é que esta Universidade seja o ponto de referência, a primeira opção das pessoas dos PALOP.

Como prefere passar os tempos livres?

A conversar e a assistir a documentários.

Um livro preferido?

Gosto de livros de autodesenvolvimento, em especial de dois: Petites Habitudes, Grandes Réussites, de Onur Karapinar, e Atomic Habits, de James Clear.

Um músico preferido?

Gosto muito de música popular africana. O meu cantor preferido é o cantor zimbabueano Oliver Mtukudzi.

Um prato preferido?

Gosto muito de quiabo com peixe frito e xima de milho, um alimento típico de Moçambique.

Um filme preferido?

Há um filme que me marcou bastante. Chama-se Três Idiotas. É um filme indiano que fala de um jovem “Rancho” que esteve na universidade em busca de conhecimento autêntico. Ele desafia as normas, incentiva os seus amigos e colegas a seguirem suas paixões e questiona o ensino focado apenas em notas e sucesso material.

Uma viagem de sonho?

Gostaria de conhecer um pouco o Norte de África, sobretudo os países francófonos.

Um objetivo de vida?

O meu objetivo na vida é servir.

Uma inspiração?

A minha maior fonte de inspiração é o meu pai. Ele sempre me ensinou a buscar o conhecimento e que outras coisas viriam a seguir.

O projeto da sua vida?

Outra questão difícil porque é dinâmico. Quero contribuir para o bem-estar da população, sobretudo na área da saúde, e fazer parte de um projeto grande, transnacional, que não tenha a ver apenas com o Moçambique.

Uma ideia para promover uma maior ligação entre a Universidade e a comunidade?

Quando eu estava na Universidade, em Maputo, participei num projeto em que, nas férias, os estudantes falavam sobre a universidade com os alunos do ensino secundário. É muito importante que as pessoas que estão na academia partilhem as suas experiências com as gerações mais novas.

Agora, numa perspetiva de envolvimento comunitário, acho que devia haver um trabalho de pesquisa para perceber quais são as preocupações, necessidades e as dificuldades que as comunidades têm e ver como a Universidade pode ajudar na resolução dos problemas.

O que espera poder fazer pela saúde no futuro?

O meu contributo será formar novas gerações e providenciar evidências científicas para apoiar os decisores políticos a tomarem as melhores decisões.