Ainda mal tinha acabado a licenciatura em enfermagem quando Miguel Pais Vieira se começou a interessar pelos mistérios do cérebro. Começou por refleti-los através da Filosofia. Desafiou-os pelas leis da Matemática e da Economia. Mas foi nas Neurociências, área na qual se doutorou na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), que encontrou as suas respostas . Atual investigador da Universidade de Duke, nos Estados Unidos,  assina dois artigos nas últimas edições do prestigiado “Journal of Neuroscience” e da”Scientific Reports“, que  mostram como dois ratos podem usar apenas os seus cérebros para partilhar  informação.

Admirador da música de Keith Jarrett e incapaz de resistir a um prato de rojões, este investigador português de 33 anos  diz-se movido pela compreensão de “coisas tão complexas como a beleza, o amor e a música”, por via da ciência. “A neurociência não pode estar numa torre de marfim, tem de encontrar respostas para o mundo à sua volta”, defende *. Para já, quer ajudar a melhor a vida dos outros, através de uma  descoberta que “pode ter aplicação em tratamentos para pacientes que sofreram  um AVC ou um traumatismo craniano”.

Licenciado em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem Imaculada Conceição, Miguel Pais Vieira é mestre em Filosofia (Ciências Cognitivas) pela Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa (Braga) onde lecionou até 2009. Nesse mesmo ano, conclui o Doutoramento em Biologia Humana (Neurociências) na FMUP – com passagem pelo IBMC/INEB – e parte para os EUA, para integrar a equipa de Miguel Nicolelis, líder mundial na área das neurociências. Desde 2012, frequenta também a licenciatura em Matemática e Economia da London School of Economics (Reino Unido).

– Naturalidade?

Sou natural do Porto… mas creio que o meu o coração nasceu em São João da Madeira.

– Idade?

33 anos.

– Que principais memórias guarda sua passagem pela Universidade do Porto?

Graças à enorme generosidade da Professora Deolinda Lima e do Professor Vasco Galhardo,  tive a oportunidade única e determinante de frequentar o ambiente de investigação na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto com apenas 15 anos de idade. Apesar de o meu percurso académico ser bastante atípico (licenciaturas em enfermagem e matemática – a segunda ainda em curso, mestrado em filosofia e doutoramento em neurociências) este primeiro contacto com a U.Porto moldou de forma definitiva o meu percurso futuro. O ambiente da FMUP e do IBMC/INEB, experienciado antes e durante o doutoramento, permitiu-me contactar de perto com inúmeros investigadores básicos e clínicos com enormes qualidades científicas e humanas. Deste contacto próximo  que foi fundamental para desenvolver as capacidades de pesquisa, guardo as memórias de um ambiente de trabalho bastante intenso baseado numa forte colaboração entre os diferentes investigadores.

– De que mais gostou / gosta na Universidade do Porto?

Creio que uma das melhores qualidades da U.Porto é o facto de o trabalho de investigação ser considerado como um pilar essencial para o progresso da Universidade. Por exemplo, de entre os vários elementos que constituíam os grupos de investigação tanto na Faculdade de Medicina como no IBMC/INEB, sempre tive acesso a materiais ou know how de técnicas específicas que foram determinantes na publicação posterior de vários trabalhos. Esta colaboração e ajuda entre grupos nem sempre se verifica em outros locais, mas é definitivamente uma das minhas melhores recordações da U.Porto.

– De que menos gostou / gosta na Universidade do Porto?

Durante o doutoramento, estive a trabalhar metade do tempo na FMUP e metade do tempo no IBMC/INEB. Apesar de gostar igualmente dos dois locais, a distância física fazia com que houvesse menos “conversas de corredor” com muitos dos meus colegas. Este foi, provavelmente, o aspeto menos positivo que experienciei na Universidade.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Uma das práticas comuns dos lab meetings da FMUP era a de se discutir assuntos de caráter administrativo e/ou de financiamento em frente dos alunos de doutoramento. O facto de ter presenciado estas discussões permitiu-me compreender a dificuldade de gerir um grupo de investigação e  perceber que, além do processo de investigação, existem inúmeros problemas burocráticos e políticos que influenciam de forma direta o ambiente onde se desenvolve a investigação. Deste conjunto de circunstâncias resultam muitas vezes decisões que, para um observador externo, podem parecer absurdas ou pouco refletidas. Como presenciei repetidamente à extrema dificuldade de tomar decisões nestas circunstâncias, não sinto que tenha um conhecimento suficientemente informado para poder fazer alguma sugestão que, de facto, seja útil.

– Como prefere passar os tempos livres?

Gosto de passear no parque com a minha esposa e as minhas filhas.

– Um livro preferido?

Guerra e Paz de Leon Tolstoi, pela forma magnífica como o autor descreve os seres humanos e a complexidade das suas emoções e decisões.

– Um músico / disco preferido?

Concerto de Colonia, Keith Jarret.

– Um prato preferido?

Rojões cozinhados pela minha avó.

– Um filme preferido?

“A Vida é Bela”, de Roberto Benigni.

– Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)? 

Definitivamente Portugal. Há quase quatro anos que não vejo o meu país. Para quem está em Portugal é bastante fácil imaginar outros destinos de sonho. No entanto, para mim não poderia haver qualquer outro destino de sonho.

– Um objetivo de vida?

Creio que uma das coisas que me move é o tentar compreender como é possível que coisas tão complexas como a beleza, o amor e a música surjam a partir de realidades físicas mensuráveis como cálcio, sódio, potássio, etc. Como é óbvio, este objetivo nunca será atingido, no entanto, mantém-me ativo e faz-me questionar constantemente o mundo à minha volta.

– Uma inspiração?

A minha maior inspiração é sem dúvida a minha família (tanto próxima como alargada).

– Uma ideia para promover a ciência portuguesa além-fronteiras.

Nos últimos anos tem-se assistido a um crescendo de mega projetos envolvendo um grande número de parceiros de investigação com um objetivo único e claramente definido. Felizmente, Portugal tem participado nesses projetos que fomentam múltiplas parcerias e dão origem a muitas colaborações que se estendem além do projeto inicial.

Creio que estes projetos permitem combinar os melhores recursos e investigadores portugueses, com os melhores recursos e investigadores estrangeiros, criando assim uma visibilidade máxima alem fronteiras da qualidade do nosso trabalho.

Existem ainda várias outras formas bastante eficazes, como as bolsas de doutoramento/pós-doutoramento mistas assim como a contratação de investigadores estrangeiros para trabalhar em Portugal (que invariavelmente originam mais colaborações além fronteiras), mas cujos detalhes da discussão seriam demasiado longos para se abordar aqui.

*Em declarações à Agência Lusa.