Auto-proclamado “Observador de Aves” aos 10 anos, Martim Melo vive em contacto com a natureza desde tenra idade. Graças à “costela naturalista” do pai, desenvolveu o interesse pela biodiversidade e, em especial, pelo mundo animal. Com 13 anos, já anilhava aves com o Instituto de Conservação da Natureza e, anos mais tarde, terminava a licenciatura em Biologia na Universidade de Lisboa.

Com um fascínio confesso por Ilhas, Martim vê-las como “pequenos mundos à parte: simultaneamente centros de diversificação notáveis e modelos bem mais simples do que os continentes para estudar”. Dado o seu longo percurso académico e de investigação, o biólogo já passou por inúmeros países, organizações, universidades e centros de investigação, entre os quais no Golfo da Guiné, São Tomé e Príncipe, África do Sul, França e Escócia.

Ligado à Universidade do Porto desde 2010, o autor do livro “A lista das Aves de Angola” já desenvolveu dois projetos de pós-doutoramento com o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO). Em paralelo, colabora também com o Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP).

(Foto: DR)

Já com vários artigos publicados, o investigador do CIBIO-InBIO esteve recentemente em destaque ao publicar – no âmbito de uma equipa internacional – um estudo na prestigiada revista Nature, no qual faz, pela primeira vez, a demonstração empírica da Teoria da Biogeografia das Ilhas, utilizada há mais de meio século para explicar a diversidade de espécies observada nas ilhas.

Com 46 anos, Martim Melo leva agora a cabo projetos que visam identificar os processos que criam e mantêm a diversidade biológica, bem como a investigação da avifauna de África e em particular das suas ilhas. Paralelamente ao trabalho desenvolvido em Portugal, Martim encontra-se a desenvolver programas de educação e capacitação em Centros de Biodiversidade em regiões como o Golfo da Guiné e a África Austral, com foco especial em Angola.

(Foto: Alexandre Vaz)

Naturalidade? Lisboa, Portugal

Idade? 46 anos

De que mais gosta na Universidade do Porto?

Estou ligado à Universidade do Porto pelo CIBIO – o que de alguma maneira me faz conhecer mal a Universidade em si. O CIBIO é um centro grande, com instalações próprias no Campus Agrário de Vairão a cerca de 20 km das instalações centrais da Universidade no Porto. O CIBIO constitui de alguma forma um mundo (ou satélite) à parte. Do CIBIO destacam-se as pessoas e o seu entusiasmo e paixão pela investigação que realizam na área da biodiversidade.

Desde de março de 2019 que desempenho também funções no Museu de História Natural e da Ciência, o que me vai permitir conhecer melhor o universo da Universidade – ainda não aconteceu porque 2019 foi quase todo passado em expedições várias e quando regressei no fim de fevereiro de 2020, o país fechou passado duas semanas…

De que menos gosta na Universidade do Porto?

Pela mesma razão, não tenho experiência suficiente para dar uma resposta fundamentada. Talvez o facto de por estar no CIBIO não sentir grande ligação à Universidade seja um ponto negativo – na verdade dá ideia que a própria Universidade não valoriza muito esta massa de investigadores, a não ser quando a sua produção científica atrai a atenção dos media.

Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

Lá está – continuo a achar que sei pouco sobre a Universidade para sugerir melhorias. Acho que seria importante abordar a questão do distanciamento entre a ‘Universidade-Mãe’ e os seus vários centros – e, do mesmo modo, entre o corpo institucional (efectivo) e a enorme massa de investigadores com bolsas ou contratos de curta duração.

Como prefere passar os tempos livres?

Conseguir passá-los plenamente ‘livre’ já não era nada mau. Longas caminhadas, em locais sem rede, com dormidas ao relento é sem dúvida daquilo que mais gosto. O que curiosamente acaba por ser mais fácil fazer no meu trabalho… Mas qualquer caminhada é sempre boa. E ter tempo para ler.

Um livro preferido?

Fujo sempre a perguntas destas. Ou dá-me um branco ou penso em tudo o que estou a excluir para dar um nome e recuso-me a responder… Mas vamos lá tentar ver o que sai do chapéu, sempre com a ressalva de‘preferido entre muitos’… A Balada do Mar Salgado, de Hugo Pratt

[Mas como não referir ‘As Aventuras de Huckleberry Finn’ do Mark Twain, ou ‘A Espuma dos Dias’ do Boris Vian ou ‘Os Emigrantes’ do Sebald entre muitos outros? Bem, já os referi…]

Um disco/músico preferido?

Volto sempre aos Yo La Tengo.

[outros pilares: Bach e Thelonious Monk]

Um prato preferido?

Aquele que é cozinhado no fogo depois de um dia de trabalho de campo. Empatado com, na madrugada seguinte, uma caneca de café preto acompanhada de ‘rusks’ (um ‘biscoito de campo’ sul-africano que é basicamente um bolo cortado em pequenos tijolos e seco no forno; aguenta tudo e tem de ser molhado numa bebida quente para se comer).

Um filme preferido?

O Espírito da Colmeia – Victor Erice (1973)

[Mas, por alguma razão, o filme que mando toda a gente ver é o ‘Johnny Guitar’ do Nicholas Ray (1954). Para filmes ‘do meu tempo’, fica o entusiasmo pelos primeiros do Hal Hartley como o ‘Simple Men’ (1992)]

Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)? 

Qualquer caminhada, de vários dias, em paisagens longe da presença humana. Como ir à Ilha Inacessível (Arquipélago de Tristão da Cunha, Atlântico Sul), onde tive a sorte e o privilégio de já ter ido. Aqui ao pé e por fazer (e refazer, espero) os Pirinéus e a cordilheira do Atlas.

Um objetivo de vida?

Vem-me à cabeça o início de um poema do e.e. cummings:

“may my heart always be open to little

birds who are the secrets of living

whatever they sing is better than to know

and if men should not hear them men are old”

onde no meu caso os ‘passarinhos’ não funcionam apenas como metáfora…

Uma inspiração?

Bertrand Russell (1872-1970).  O límpido uso da razão. Parece fácil – e se mais generalizado que admirável mundo novo seria o nosso…

Na minha área: o Brian Huntley. O Brian Huntley, hoje com 75 anos e investigador convidado do CIBIO, é um naturalista de saber global e um conservacionista que nunca perdeu o brilho nos olhos. O seu trabalho teve, e ainda tem, um impacto enorme na conservação da natureza na África Austral, incluindo Angola (onde nos anos 70 desenhou uma nova rede de áreas protegidas para o então governo português e já, neste século, aconselhou o governo angolano sobre este mesmo tema). Com uma ética e eficácia de trabalho ímpares associada a uma preserverança de ferro e a uma capacidade de “endurecer sem perder a ternura” o Brian demonstra que nem só de derrotas vive a luta contra a destruição sem precedentes dos sistemas que sustêm a vida na Terra. Acima de tudo, demonstra que ficar parado é que não é uma opção. Mesmo quando a vitória é tudo menos certa. Talvez demonstre também que o importante é não deixar esmorecer o espanto, a curiosidade, pelo mundo que nos rodeia.

 Uma ideia para promover a investigação da Universidade do Porto?

A reabertura ao público do Museu de História Natural da Universidade do Porto – agora como Museu de História Natural e da Ciência – oferece uma oportunidade como poucas para a divulgação do que se faz na Universidade. A sua localização em pleno epicentro do turismo da cidade não podia ser melhor. O Museu não se fica pela sua estrutura na Reitoria, tendo levado à criação da muito premiada Galeria da Biodiversidade na Casa Andresen (Jardim Botânico) e da editora Arte e Ciência, que tem publicado desde 2018 livros de divulgação científica e referência de grande qualidade gráfica. Perante este novo dinamismo não me parece que vão faltar ideias e oportunidades para a promoção da investigação que se faz na Universidade do Porto.