Nascida e criada em Vila Nova de Gaia, Marta da Silva Gomes Lucena Caride, de 21 anos, concilia a Alta Competição de Esgrima com o curso de Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS). Mas os seus combates vão muito para além das pistas e das salas de aula…

Marta costuma dizer que a surdez não faz diferença e, no seu caso, acredita mesmo que se tornou uma aliada! A prova disso é que apesar de aos dois anos ser diagnosticada com surdez profunda severa, os pais acreditaram nela e deixaram que continuasse no ensino normal. Isto é, optaram por não colocá-la numa escola para crianças surdas como seria natural. Hoje, admite que essa decisão fez toda a diferença para a pessoa em que se tornou.

Habituada desde cedo a usar aparelhos auditivos e a fazer muitas horas de terapia da fala, Marta nunca deixou que essa condição a limitasse. “Ser surda nunca me impediu de sonhar! Então é isso, vivo feliz com a minha realidade, vivo rodeada da família e de amigos que me apoiam em tudo o que é necessário!”, diz.

Para isso contribuiu também o desporto, que a futura médica começou a praticar através da natação, ténis e dança clássica e contemporânea. Seria, contudo, na Esgrima, que descobriu no Liceu Almeida Garrett (onde fez o restante ciclo e o ensino secundário) que encontraria uma paixão para o resto da vida.

Marta Caride está a frequentar atualmente o 3.º ano do Mestrado Integrado em Medicina no ICBAS, “a instituição com melhor qualidade de ensino de Medicina do país”. Escolheu o curso por se sentir atraída quer pela biologia e pelo funcionamento do Ser Humano, quer por procurar contribuir para o alívio da dor na procura de cuidados médicos. Mas foi, essencialmente, a sua realidade que a despertou para o facto de conseguir ouvir com um mero aparelho auditivo e “perceber que realmente a ciência, aliada ao conhecimento, pode ser muito impactante na vida de alguém!”.

Na base da escolha esteve também a possibilidade de “conciliar com muita ginástica as aulas e os treinos [de Esgrima] no Sport Club do Porto!”. E os resultados falam por si. Campeã Nacional Absoluta em 2019, Marta é a atual campeã nacional universitária de Esgrima. No último verão, participou ainda nos Campeonatos Europeus e Mundiais da modalidade, que decorreram nas cidades de Antalya (Turquia) e Cairo (Egito), respetivamente. Conquistas que lhe valeram a atribuição, no passado mês de setembro, do prémio de melhor atleta feminina do ano, entregue durante a XII Gala de Desporto da U. Porto.

Marta Caride agradece a conquista do prémio de Atleta feminino do ano na XII Gala de Desporto da U. Porto. (Foto: CDUP-UP)

“Ser eleita atleta do ano da Universidade do Porto é um momento de gratidão pura”, salientou a esgrimista, que agradeceu os votos do público e ao júri, bem como aos treinadores da secção de esgrima do Sport Club do Porto, à Desporto U. Porto e à Federação Portuguesa de Esgrima.

Já este mês de outubro, Marta Caride venceu o Torneio Ranking Galego Absoluto, prova em que participou para preparar o início da época internacional de seniores, da International Fencing Federation. Enquanto isso, vai sonhando com a participação nos Jogos Universitários de Verão (Universiadas), que vão ter lugar na cidade chinesa de Chengdu, já em 2023.

Fora das pistas de Esgrima, a estudante de Medicina vai também deixando a sua marca. Como quando participou no TEDx Porto, em abril passado, com uma intervenção em que partilhou a ideia de que “o mais importante é tocar e ser tocado pelo outro – ao contrário da esgrima, onde o objetivo é tocar e não ser tocado”.

A verdade é que, para Marta Caride, “a surdez não faz diferença!” Ajuda-a apenas a focar e a ver a vida de uma forma muito peculiar.

(Foto: DR)

Naturalidade? Gaia

Idade? 21 anos

– De que mais gostas na Universidade do Porto?

A Excelência! Para mim, é a melhor universidade portuguesa! A Universidade do Porto é uma instituição centenária de elevada qualidade, que realmente alia a investigação científica de excelência à melhor experiência académica! É uma referência também a nível mundial.

– De que menos gostas na Universidade do Porto?

Sinto alguma burocracia excessiva no que diz respeito à agilização e tratamentos dos processos de estudantes Atletas de Alta Competição!

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Assegurar que sejam, naturalmente, salvaguardados os direitos previstos no estatuto do estudante que é também um atleta de alta competição.

– Como preferes passar os tempos livres?

Rodeada de amigos ou família!

– Um livro preferido? 

O Caminho da Vida (Michael Puett).

– Um disco/músico preferido?

Landon McNamara. Caetano Veloso.

– Um prato preferido?

Sushi.

– Um filme preferido?

Confesso que acho as séries mais apelativas! Uma que gostei particularmente foi Prison Break!

– Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)?

Por toda a sua espetacular paisagem natural, sonho visitar a Islândia!

– Um objetivo de vida?

Poder viver uma rotina que me realize, diariamente.

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…) 

A participação no TEDx Porto foi um momento muito inspirador e inesquecível.

– O projeto da tua vida…

Poder impactar as pessoas que me rodeiam.

Uma ideia para promover uma maior ligação entre a Universidade e a comunidade?

Todas as iniciativas desenvolvidas em prol da comunidade de estudantes com necessidades educativas especiais são muito louváveis!

– Porque escolheste o curso de Medicina no ICBAS?

Por um lado, acredito que é a instituição com melhor qualidade de ensino de Medicina. Por outro, a localização – foi, sem dúvida, um fator preponderante! A proximidade à Rua de Santa Catarina possibilita-me conciliar com muita “ginástica” as aulas e os treinos no Sport Club do Porto!

– Como está a ser a tua experiência enquanto atleta de competição e conciliar com os estudos no ICBAS?

Tem sido um desafio conciliar estes dois gostos, que em muito são exigentes! No entanto, sinto que tenho conseguido atingir os meus objetivos académicos e desportivos, pelo que me tem permitido sentir realizada!

– Sente algum tipo de dificuldade por ter deficiência auditiva? Se sim, o que há por fazer? Por exemplo, seria muito, muito, muito importante conseguirmos ter uma maior acessibilidade à legendagem na televisão portuguesa! Posso dar outro exemplo, do que me aconteceu na altura do COVID. Faço leitura labial e o uso de máscaras foi uma barreira que surgiu na minha ligação aos outros. Felizmente, tive oportunidade de ter um aparelho auditivo extra para os professores colocarem e que era uma espécie de “microfone” direto para as minhas próteses Widex.