Luís Ceríaco estava no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), a falar com uma estudante de doutoramento, quando abriu o email e disse-lhe: “Olha, acho que acabei de ganhar uma bolsa da National Geographic Society!”. Ficou tão “estupefato” que voltou a colocar o telemóvel no bolso e continuou a conversa que estava a ter. “Não acreditei que fosse verdade.” Mas era. Uma bolsa para explorar uma das zonas mais fascinantes do continente africano.

O ir para o terreno é já um fascínio antigo deste biólogo que cresceu a ver o Indiana Jones, algo que, admite, “teve influência na minha vida profissional”. “Esta será a minha vigésima expedição desde 2013, pelo que a coisa já está um pouco em piloto automático”. A preparação traduz-se em “vários meses de planeamento, sendo que as últimas quatro semanas antes da viagem são as mais criticas”.

O biólogo e curador do MHNC-UP vai ter mesmo que preparar a mochila com “todo o material de campo necessário para estudar os animais, mas também a máquina fotográfica, roupa prática e confortável”, sem esquecer, e na Serra da Neve pode haver momentos em que vão fazer falta, “algumas guloseimas para dar um reforço de açúcar”. E lá terá de ficar sem a sua açorda, prato favorito deste Eborense que gosta tanto de Motorhead, Iron Maiden e Black Sabbath como de uma boa sesta, numa tarde de calor alentejano, para recarregar as baterias. E da “Aparição” de Vergílio Ferreira, “pela forma como disseca a mais humana das perguntas – qual é o sentido da vida?”

Luís Ceríaco já descreveu de mais de duas dezenas de novas espécies para a ciência. (Foto: DR)

Naturalidade? Évora

Idade? 33 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto? 
É a melhor e mais prestigiada Universidade do país, com investigadores de renome e um ambiente intelectualmente estimulante. Transmite uma imagem muito forte de seriedade e rigor, ao mesmo tempo que acolhe alguns dos projectos mais inovadores ao nível das ciências, das engenharias, da medicina, etc.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?
Há um excessivo formalismo, uma burocracia asfixiante e uma hierarquização excessiva. Isto torna a Universidade, por vezes, demasiado pesada e lenta. E para um Alentejano achar algo lento…

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 
Penso que a desburocratização é fundamental, mas mais do que isso, acho que devia confiar mais nos seus investigadores, nos seus professores, nos seus funcionários e nos seus estudantes. Confiar significa dar-lhes mais liberdade de ação, mais responsabilidade individual, e retirar o peso das hierarquias. Tudo isto se traduziria numa dinâmica mais rápida e eficiente, bem como estimularia a inovação, a descoberta… Por outro lado, é fundamental dar perspectivas de futuro aos seus quadros mais jovens – a precariedade dos vínculos é algo muito pernicioso.

– Como prefere passar os tempos livres?
Gosto de passear com a minha esposa e a minha cadela (de preferência no campo), gosto de estar com a família, gosto de me sentar numa esplanada com amigos a apreciar uma cerveja e uma conversa maluca (quanto mais maluca melhor…). Adoro ir ao cinema, livrarias e monumentos. No Verão, umas semanas de praia no Algarve e umas tardes de sestas no calor do Alentejo são fundamentais para recarregar baterias.

– Um livro preferido?
Pergunta difícil. A Aparição de Vergílio Ferreira marcou-me bastante. Não só pelo retrato muito cru que faz dos Eborenses, mas pela forma como disseca a mais humana das perguntas – qual é o sentido da vida?

A obra do biólogo Richard Dawkins teve também um papel fundamental na minha formação. Por outro lado, e completamente fora do mundo literário, nunca me canso de reler por completo a Philosophie Zoologique do Lamarck (ainda hei- de a traduzir para Português..!)

– Um disco/músico preferido?
Pior ainda… Sou um fã de música pesada. Rock e Heavy Metal. Talvez a música Until it Sleeps do álbum Load dos Metallica. Lembro-me de assistir ao videoclipe quando o álbum saiu em 1996. O som e as imagens foram a minha porta de entrada para o mundo do rock… Daí a Motorhead, Iron Maiden, Black Sabbath, Queens of the Stone Age, Black Rebel Motorcycle Club foi um pulinho. Mas também gosto de rock mais sinfónico  – o meu pai incutiu-me desde cedo os Pink Floyd e os Camel…

– Um prato preferido?
Como bom Alentejano, obviamente Açorda!

– Um filme preferido?
Adoro cinema, pelo que a lista seria extensa. Cresci a ver o Indiana Jones (o que teve influência na minha vida profissional), a Guerra das Estrelas e o Aliens.

Mas há uma época mágica no cinema que me fascina – os anos 20 do século passado e o cinema mudo de cariz expressionista. O Metropolis (1927) do Fritz Lang, o Nosferatu (1922) ou o Sunrise (1927) do Murnau, ou ainda o Gabinete do Dr. Caligari (1920) do Wiene são para mim obras primas.

– Uma viagem de sonho? 
Quero subir o rio Congo e atravessar os EUA pela mítica Route 66. Gostava também de recriar a viagem que o explorador naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira fez aos Amazonas no final do século XVIII. Ao pé dele o Humboldt era um menino de colo.

– Um objetivo de vida?
Gostava de descrever pelo menos metade das espécies de vertebrados descritas por José Vicente Barbosa du Bocage, o pai da Zoologia Portuguesa. No total, o Bocage descreveu 208 novas espécies animais, eu fico contente se chegar às 100. Já levo quase 30… Mas de facto, quero é chegar a velho com saúde, rodeado daqueles que mais gosto, com histórias de aventuras para contar e com um sorriso na cara.

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)
O meu avô materno – por seu o meu compasso moral, de retidão e integridade.

O meu “pai científico”, o herpetólogo Norte-Americano Aaron Bauer – por me ter ensinado a ser um cientista sério e minucioso e por ser o mais importante herpetólogo vivo.

O Prof. Jorge Paiva, da Universidade de Coimbra – pela sua irreverência e sabedoria. Tenho a sorte de ter estes grandes homens como amigos e família.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto lá fora…”
Não acho que seja necessário fazer muito. Os estudantes, professores e os investigadores da U.Porto não precisam que os promovam, porque a qualidade e impacto do seu trabalho fazem isso por si. Não há melhor promoção que a qualidade. Precisa-se é de mais liberdade para investigar, criar, inovar, e menos amarras burocráticas, menos formalismos e menos hierarquias.