A recente escolha de José Manuel Mendonça para o cargo de Presidente do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) só pode ter surpreendido aqueles que estão menos familiarizados com o trajeto deste Professor Catedrático no Departamento de Engenharia e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e Presidente do Conselho de Administração do INESC TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência.

A estes “atributos”, junte ainda os de fellow do IC2 Institute da Universidade do Texas, Austin, membro do High-Level Group da Plataforma Tecnológica Europeia Manufuture, Diretor Nacional do Programa UT Austin Portugal e Presidente do Conselho de Administração do CoLAB ForestWISE. Ou, mais recentemente, os de representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no Fórum Europeu para a Transição Digital, e representante de Portugal no ERA Forum for Transition.

Contas feitas, a nomeação de José Manuel Mendonça para o novo órgão consultivo do Governo para as áreas da ciência, tecnologia e inovação, é o corolário de um percurso de mais de 25 anos como gestor de ciência e de inovação ao mais alto nível. Isto após duas décadas em que trabalhou na indústria e na investigação, tanto em Portugal como no estrangeiro, com contributos continuados na definição de políticas públicas.

Licenciado em Engenharia Electrotécnica pela FEUP (1977), José Manuel Mendonça começou por trabalhar na Brown, Boveri & C.ie (Suíça), Denmark Technical High School (Copenhagen), e EDP (Equipa de Projeto da Central Térmica de Sines, Lisboa). Em 1980, ingressa na carreira académica na Faculdade de Engenharia, onde viria a doutorar-se em Engenharia Electrotécnica – Controlo de Sistemas Eólicos, no Imperial College of Science and Technology (1986).

Entre 1986 e 1996, formou no INESC, no Porto, um grupo de investigação em engenharia de sistemas de produção, publicando mais de 100 artigos científicos e orientando um elevado número de estudantes de mestrado e doutoramento. Ganhou experiência em investigação por contrato com a indústria, no país e no estrangeiro, e trabalhou no Department of Enterprise Development and Logistics, do Fraunhofer IPA, em Estugarda (1995). Liderou vários projetos europeus de grande dimensão, foi avaliador e consultor da Comissão Europeia e delegado nacional em vários Comités de Programa (EU Framework Programs 5, 6 e 7).

Na década seguinte, foi Vice-Presidente da Agência de Inovação (agora ANI), CEO da Fundação Ilídio Pinho e Chairman de três empresas de base tecnológica: Tech M5 SGPS, Fibersensing SA e Kinematix SA.

Um segredo para mais de quatro décadas de uma carreira de sucesso? Ser forte para ser útil, a máxima que José Manuel Mendonça traz das artes marciais vietnamitas para um percurso de vida onde a ambição passa por “ser sempre melhor e mais capaz, como professor e como agente de transformação das instituições”.

Naturalidade? Porto

Idade? 65 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?
Gosto da universidade aberta à cidade, ao país e ao mundo, internacionalizada e inclusiva, com estudantes e docentes mobilizados e empenhados, e gosto de ver colegas a assumir com generosidade a pesada responsabilidade de a liderar e gerir, aos mais diversos níveis.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?
O modelo de governança e a burocracia.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
A Universidade do Porto é forte e competitiva em muitas vertentes e está no topo da atração de talento em Portugal, a avaliar pelo ranking das médias de acesso ao ensino superior, sendo relevante e prestigiada em muitas áreas de investigação. Muito está a ser bem feito, mas há sempre espaço para melhorar.

A investigação na Universidade está organizada em unidades de I&D e Laboratórios Associados, quase todos com classificações de Muito Bom e Excelente e muitos dos quais em instituições privadas sem fins lucrativos nas quais a universidade é associada.

Olhar para este portefólio de instituições, único a nível nacional, como um instrumento poderoso para alavancar ainda mais (e sobretudo) a 2.ª e a 3.ª missões da Universidade, regulando melhor e intensificando as relações com as faculdades e com a Reitoria é um desafio considerável, mas um investimento de enorme retorno.

– Como prefere passar os tempos livres?

Como faço há mais de 50 anos, praticando o que me ensinou Mestre Tran Huu Ha, o Ser forte para ser útil, físico e mental, das artes marciais vietnamitas. E, obviamente, com a companhia da família e dos amigos.

– Um livro preferido?
Os Maias do Eça, Homo Sapiens do Harari, Paris é uma Festa do Hemingway, O Estrangeiro do Albert Camus, A Conquista da Felicidade do Bertrand Russel, entre outros, tudo para ler novamente com calma quando voltar a ter tempo.

– Um disco/músico preferido?
O Sgt. Peppers ou o White Album, dos Beatles, mas também Dylan, Cohen, Brel, Clapton, Pink Floyd, Janis Joplin, essencialmente até aos anos 80, e ainda a 9.ª de Beethoven, o Requiem de Mozart, Verdi e outros clássicos.

– Um prato preferido?
Tripas … à moda do Porto, claro! Ou um Caril de Frango que aprendi nos anos 70, na Suíça, com um indiano chamado Nag, numa altura em que nem sabia estrelar um ovo.

– Um filme preferido?
2001 Odisseia no Espaço, do Stanley Kubrik, muito à frente do seu tempo, que me encantou logo a seguir a um outro deslumbramento dos meus 13 anos: o Agosto de 1968 passado em Paris, que não foi filme … Mas houve uns quantos outros, desde Os sete samurais do Kurozawa ao Grand Torino do Clint Estwood.

– Uma viagem de sonho?
As viagens já as fiz, foram acontecendo sem muito planear … poderia até repetir a praia de Perobas junto a Touros, no nordeste do Brasil, o esqui em Klosters, na Suíça, a ópera em Savonlinna, na Finlândia, e quase tudo em Istambul.

Talvez me falte ir num charter a uma qualquer cidade europeia ver o FC Porto na final da Champions League. Já vi duas pela televisão, mas, com mais de 50 anos de sócio, ficava-me bem ver uma ao vivo.

– Um objetivo de vida?
Ser sempre melhor e mais capaz, como professor e como agente de transformação das instituições, porque melhores instituições são o caminho mais seguro e sustentável para uma melhor sociedade.

– Uma inspiração?
A da família, aquela em que nos tornamos quem somos e a outra em que ajudamos o futuro a fazer-se; em ambas, dá-se e recebe-se muito e incondicionalmente e sai-se sempre a ganhar. E também a de alguns, poucos, amigos com quem nos vamos tornando melhores e menos vulgares.

– Um desejo para a ciência portuguesa?
Que continue o caminho da melhoria e do reconhecimento internacional, com investigadores e instituições cada vez mais capazes de fazer ciência excelente, mas ciência também com impacto fora do laboratório e das publicações: impacto no desenvolvimento económico e social do país, devolvendo valor à sociedade que nela acredita e investe.

Os investigadores, embora às vezes com condições insuficientes e, certamente, muitos constrangimentos, são privilegiados, porque fazem o que adoram fazer e gozam de uma enorme autonomia. Têm, por tudo isso, obrigação de procurar excelência e impacto no trabalho que fazem.

– A relação entre a ciência e a política sairá desta pandemia reforçada ou fragilizada?
Tem de sair reforçada e temos todos de trabalhar para que isso aconteça. O aconselhamento da ciência aos governos sempre foi da maior relevância e a pandemia bem acabou de o demonstrar. Mas, talvez mais importante, tem também de sair reforçada a relação entre a ciência e o cidadão, entre a ciência e a sociedade.

Os governos são atualmente confrontados com decisões de importância estratégica e de enorme impacto, de que são, apenas, exemplos, a localização de um novo aeroporto, o investimento no hidrogénio, a política fiscal para os veículos elétricos e as renováveis, o 5G ou a mineração submarina. Assessores, consultores e cientistas individuais não conseguem aconselhar de forma eficaz – oferecendo as melhores escolhas e opções disponíveis – em questões altamente complexas e multidisciplinares, envolvendo aspetos científicos, técnicos, jurídicos, sociais, ambientais e económicos.

Nos países em que este aconselhamento está institucionalizado, há comités consultivos especializados e gabinetes de apoio técnico e científico, capazes de oferecer conhecimento científico sólido e de procurar os consensos possíveis, assegurando integridade, transparência, liberdade de opinião e o saber multidisciplinar essencial para um aconselhamento científico às políticas públicas independente e eficaz.