Jorge Olímpio Bento (Pessoa)Após 52 anos ao serviço da Universidade do Porto, Jorge Olímpio Bento encerrou no passado dia 25 de abril a sua carreira académica na Faculdade de Desporto (FADEUP). Para trás ficam mais de cinco décadas de um percurso reconhecido em Portugal e além-fronteiras na defesa e promoção do desporto e da lusofonia. Para a frente, afirma “a disponibilidade em continuar a servir a minha Universidade e Faculdade em modalidades consentâneas com a nova situação”.

Licenciado em Educação Física pelo Instituto Nacional de Educação Física (INEF) e doutorado em 1982 na Ernst-Moritz-Arndt-Universität Greifswald (Alemanha), era, até à data da sua jubilação, Professor Catedrático da Faculdade de Desporto da U.Porto desde maio de 1993, tendo sido Presidente do Conselho Científico (1986-1996). Entre 1995 e 1998, assumiu o cargo de Pró-Reitor da Universidade do Porto.

Primeiro diretor da FADEUP eleito – em 2010 – após a entrada em vigor das alterações estatutárias impostas pelo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior,  Jorge Olímpio Bento desempenhou as funções de Presidente do Conselho Superior do Desporto de Portugal (2001-2002) e foi Vereador do Pelouro do Desporto da Câmara Municipal do Porto (1997-1999). Em 2007 e 2012 foi distinguido como Doutor Honoris Causa, respetivamente pela Universidade Federal do Amazonas, em Manaus (Brasil) e pela Kasetsart University, Bangkok (Tailândia). Recentemente, o Comité Olímpico de Portugal (COP) agraciou-o com a Ordem Olímpica Nacional, a mais alta distinção daquele organismo, em reconhecimento do “inestimável serviço prestado ao desporto nacional, ao movimento Olímpico e a Portugal”.

Quanto ao futuro, a ausência das salas de aula promete ser compensada com o tempo dedicado à leitura e à escrita, ou então numa viagem ao Brasil, país ao qual mantém uma forte ligação afetiva. Pelo meio, Jorge Olímpio Bento promete continuar a assumir as funções e deveres inerentes ao seu estatuto académico e ao “exercício da cidadania ativa”.

Naturalidade? Bragada, Bragança

Idade? 70 anos.

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

Da diversidade do seu objeto, expresso na existência de 14 Faculdades altamente prestigiadas.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Do decréscimo do sentido de comunidade, resultante do reformismo neoliberal que entrou nela.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

O cultivo da ética do cuidado da casa comum (bem-estar e relações entre docentes, funcionários não docentes e estudantes; preservação do seu património material e imaterial).

– Como prefere passar os tempos livres?

A ler e escrever.

– Um livro preferido?

São tantos os bons livros. Por exemplo, A Criação do Mundo, Miguel Torga, ou Levantado do Chão, de José Saramago

– Um disco/músico preferido?

Beethoven, na música clássica; Zeca Afonso, na música popular.

– Um prato preferido?

Todas as receitas de bacalhau confecionadas pela minha mulher ou filha.

– Um filme preferido?

“Música no Coração” (algo de que tanto precisamos nesta conjuntura).

– Uma viagem de sonho?

Todas as viagens efetuadas ao Brasil.

– Um objetivo de vida?

Viver com decência / não morrer na cobardia, juntamente com a realização pessoal da minha neta.

– Uma inspiração?

Padre António Vieira.

– Como vê o estado da Universidade?

Vejo a Universidade, em todo o mundo, mergulhada numa profunda crise de autonomia e independência, de identidade e consciencialização da sua missão. Está em risco a sua função de casa da espiritualidade, da erudição, do espírito crítico, da intelectualidade, da liberdade e da sabedoria. Ou seja, a Universidade não está a cumprir o papel de intermediação entre as fontes do saber e os cidadãos. Ademais deixou de chamar a si a apologia e a proclamação das grandes causas da Civilização, da Humanidade e da Sociedade. O lugar destas foi ocupado por uma novilíngua, por interesses e modismos impostos por forças externas, por amos e suseranos sem credibilidade ética e moral.

Acresce que o funcionamento da Universidade, a sua estrutura, o clima que nela reina, as relações que nela se cultivam, as condições laborais que ela promove não constituem uma referência inspiradora de outros setores nesta conjuntura tão carecida de renovação e revigoramento da cidadania e da democracia.

Até quando vai a Comunidade Académica continuar conformada ao atentado à sua dignidade e à subtração de direitos, de que foi alvo a partir da promulgação do RJIES – Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, nomeadamente ao roubo do direito democrático de eleger o Reitor?

Isto, por si só, constitui uma enorme fonte de problemas, agravados ainda pela inaceitável sub-dotação orçamental, que impede a renovação do corpo de docentes e de funcionários não docentes, e obriga a Universidade a desdobrar-se numa multidão de tarefas. A entrega a estas não resolve a carência de recursos financeiros; porém, afasta-a do cumprimento da sua missão central. Não há regimes fundacionais que lhe valam; estes apenas servem para iludir os incautos!

Enquanto a Comunidade Académica (docentes, funcionários não docentes e estudantes) não acordar do estado de anestesia, em que se encontra mergulhada, a Universidade verá agravadas as circunstâncias da sua existência. Ninguém de fora virá em seu socorro. Prolongar a espera é entregar-se nos braços da fatalidade e do pessimismo.