Pode soar a cliché, tendo em conta que cresceu numa ilha, mas não há como contornar. “O oceano sempre foi um componente incontornável do meu “habitat”, começa por se apresentar Jean-Baptiste Ledoux. Apaixonado pelo mar, viajou pelo mundo até “atracar”, há dois anos, no Centro Interdisciplinar de Interpretação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP), da Universidade do Porto, onde se tem destacado no estudo do impacto das alterações climáticas na biodiversidade dos oceanos.
Para traçar o percurso deste biólogo surfista, é preciso recuar 41 anos até à cidade francesa de Poitiers, onde Jean-Baptiste nasceu a mais de 100 quilómetros do mar. Quis, porém, o destino que viesse a crescer numa “pequena ilha na costa atlântica “, rodeado dos filmes de Jacques Cousteau que lhe preenchiam os sonhos de criança. Tanto que começou por querer ser arquiteto “para construir casas… debaixo de água”! Depois, recorda-se de oscilar entre a paixão pelo pai, seguindo-lhe as pisadas como médico, e a paixão pelo fundo do mar como biólogo marinho.
A entrada na Universidade acabaria por ditar o regresso a Poitiers. E foi também ali que Jean-Baptiste Ledoux consolidou o desejo de se tornar investigador, graças ao convívio com o seu grupo de amigos. “A maioria deles são agora investigadores reconhecidos e tive a sorte de conhecê-los no momento certo da minha carreira. Foram um bom estímulo intelectual”, reconhece.
Enquanto estudante, fez o Curso Geral de Ecologia e Evolução nas universidades de Poitiers e Tours. O oceano permanecia distante fisicamente, mas a ambição era clara: “desenvolver uma base geral que me permitisse concentrar depois na área que mais me apaixonava: as espécies marinhas”. Começou pela ecologia do plâncton, área que explorou em vários estágios realizados em laboratórios voltados para a biodiversidade marinha. Seguiu-se o mestrado, que dedicou à área da genética populacional.
Desde então, Jean-Baptiste tenta abraçar as duas vertentes numa abordagem “eco-evolutiva” para entender melhor, por exemplo, como os corais temperados (até agora principalmente os mediterrâneos) estão a responder às alterações globais. Foi precisamente este o tema do doutoramento que defendeu na Universidade de Marselha, em 2010.
Nesse mesmo ano, partiu para o Instituto de Ciências Marinhas de Barcelona, onde trabalhou durante oito anos como “o único geneticista populacional numa equipa de ecologistas de campo!”. Um papel nem sempre fácil, mas que lhe mostrou a necessidade de integrar ecologia e evolução para melhor compreender o impacto das alterações globais nas espécies.
Em 2018, trocou Espanha por Portugal, para integrar a equipa do CIIMAR como investigador assistente. E foi também a partir do Porto que liderou o consórcio internacional responsável pela sequenciação do genoma da gorgónia-camaleão, uma descoberta publicada recentemente e que lança novas luzes sobre a respostas das espécies marinhas ao aquecimento global.
“Feliz” por viver em Portugal – “um país incrível” – e no Porto, o biólogo francês divide hoje o tempo entre os laboratórios do Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, o surf e a jardinagem. Um objetivo de vida? “Só quero poder viver comigo mesmo no final do dia”, confessa. Ou talvez passe por aquele que o velho Santiago idealizou para si em O Velho e o mar, o clássico de Hemingway que Jean-Baptiste Ledoux elege como “guia”: “Subir a mais alta montanha, conhecer o algures e o nenhures; tocar o fundo de todos os mares e deitar-me com as estrelas e correr como o vento”.
– Naturalidade? Poitiers, França
– Idade? 41 anos
– Do que mais gosta na Universidade do Porto?
Gosto do ambiente científico interdisciplinar e altamente estimulante do CIIMAR. É uma grande conquista ter todos estes grandes investigadores importantes, com diferentes experiências juntos num mesmo instituto. O mesmo acontece com a Universidade do Porto!
Numa perspetiva mais realista, gosto do facto de a U.Porto estar muito integrada na cidade do Porto que se mantem à escala humana com jardins e edifícios relativamente pequenos. Acho que essas conexões fortes entre a cidade e os pólos universitários são muito importantes, principalmente no tempo que vivemos agora, em que a ciência e a educação em geral podem ser tão facilmente denegridas.
O CIIMAR também está em uma posição muito estratégica dentro do porto de Leixões. A localização não tem preço.
– O que menos gosta na Universidade do Porto?
Acho que o CIIMAR e os investigadores beneficiariam de uma maior interação com os diferentes cursos disponíveis na Universidade. Luto diariamente para encontrar alunos com quem trabalhar, porque acho que, como investigador, ser mentor é parte integrante do meu trabalho. É sempre bom ter alunos que, em geral, são altamente motivados e podem trazer novas perspetivas para o trabalho. Se quiserem trabalhar com evolução e genética populacional de corais temperados, entrem em contato comigo: tenho sempre novos tópicos em que trabalhar!
– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
O meu sonho para a U.Porto, mas em especial para o CIIMAR, seria melhorar as instalações de acesso ao mar com pessoal dedicado a esta tarefa, permitindo um trabalho de campo intensivo em habitats subtidais: desde a monitorização básica até à ecologia experimental in situ! Estamos em uma localização incrível dentro do porto. Seria uma grande melhoria ter técnicos que apoiassem o acesso ao mar e o mergulho científico. Poder ver os animais que se estuda nos seus habitats naturais é um benefício real para aprimorar a ciência!
– Como prefere passar o tempo livre?
Tento manter um bom equilíbrio entre ciência e o meu tempo livre. Aqui no Porto, divido o meu tempo livre entre o surf e a jardinagem. Vivo num local com que tem uma horta partilhada pelo que invisto bastante na manutenção e cultivo de vegetais. Vamos ver se consigo aprender o suficiente para alcançar a autossuficiência em vegetais nos próximos dez anos!
– Um livro favorito?
Ufff apenas um ?!Ok, se tiver de escolher apenas um então será O velho e o mar, de Ernest Hemingway. Eu li esta obra talvez 10 ou 15 vezes, e considero que tem provavelmente uma das mensagens mais relevantes que podemos encontrar para guiar a nossa vida.
Também gostaria de citar Martin Eden, de Jack London, e One man bible, de Xingjian Gao, dois livros fantásticos com um raciocínio profundo sobre como viver a vida, e um bom complemento a O velho e ao mar!
Acrescento também Vernon Subutex, de Virginie Despentes, para terminar com uma nota muito diferente.
– Um disco / músico favorito?
Quanto à música, procuro manter a mente aberta e ter gostos bem ecléticos. Citemos, por exemplo, as “partitas de Bach interpretadas por Glenn Gould”, “Revolutionary dreams” de Pablo Moses e “Liquid swords” de GZA. Um pouco de tudo desde o piano clássico ao hip hop clássico dos EUA dos anos 90 e com música jamaicana de meados dos anos 70.
A viver agora em Portugal, tenho de referir “Angola 72” e “Angola 74” de Bonga. Há muito mais música africana para mencionar, mas…
– Um prato favorito?
Um bom nasi goreng algures numa da estrada na Indonésia.
O tabule da minha mãe, para fechar um daqueles dias típicos de sol de setembro na minha ilha!
Qualquer prato da Miss Opo aqui no Porto… mas posso não ser neutro nesta última sugestão…
– Um filme favorito?
A minha cultura cinematográfica é limitada… Para uma ilha deserta levarei livros em vez de um leitor de DVD sem dúvida!
Mas há alguns meses que tenho vindo a assistir a conferências científicas sobre cosmologia, física quântica, teoria da relatividade e todos esses temas. Às vezes, acho o meu trabalho com DNA bastante abstrato, mas wuuuuu!! Estes tipos são de outra dimensão (sem trocadilhos…!).
– Uma viagem de sonho?
Tive a oportunidade de viajar muito em lugares tropicais ou subpolares e muito remotos para surfar ou apenas para viajar. Ainda tenho alguns locais de sonho em mente. Mas para ser sincero, nesta época da COVID-19, a viagem dos meus sonhos seria voltar para minha casa em França e passar um tempo com minha família e amigos de infância como fazíamos há alguns meses atrás.
– Um objetivo de vida?
Só quero poder viver comigo mesmo no final do dia.
– Uma inspiração?
Meus pais e minha irmã com certeza, cada um por diferentes motivos.
O velho e o mar – Obrigatório ler!
Alguns cenários naturais em locais remotos ou por vezes muito familiares, quando temos a sensação de que tudo está “no lugar certo”.
Como cientista, sou inspirado pelo trabalho ou pela visão de diferentes pessoas. Geralmente, pessoas que estão envolvidas diariamente nos seus temas de investigação e mantêm uma abordagem “artesanal”. No sistema atual, alguns investigadores acabam por ser mais gestores de recursos humanos. Isso pode ser visto como uma consequência do sistema e, particularmente, das políticas de financiamento. Mas, a minha opinião é que esta é uma tendência muito negativa por vários motivos: desde a desumanização total a um aumento exponencial da pressão e da competição entre nós, já para não falar da robustez dos dados publicados. Acredito que nós, como cientistas, temos algum papel a desempenhar para fazer as coisas mudarem, pelo menos aos poucos, tentando, por exemplo, desenvolver colaborações e mantê-las a longo prazo, ou publicando talvez um pouco menos, mas de uma forma mais interessante.
– O projeto da sua vida?
O projeto da minha vida seria um projeto que me permitisse trabalhar passo a passo e seguir um raciocínio cientificamente orientado e, portanto, de longo prazo, sem atalhos por falta de recursos ou limitações de tempo, sem ter que pensar no próximo concurso para financiamento para garantir os próximos anos.
Sonho com um projeto com tempo para pensar, sem grandes constrangimentos administrativos, um projeto que permita contratar e supervisionar alunos motivados e desenvolver uma abordagem colaborativa com cientistas de diferentes formações. Se estiver focado na eco-evolução de octocorais formadores de habitat ao longo da costa do Atlântico Nordeste, me permitir trabalhar com a minha rede de colaboradores e desenvolver novas colaborações eu serei um cientista muito feliz!!