Cresceu rodeada de sapatos, ou não tivesse crescido em Felgueiras, mas foi no mundo da investigação científica que Flávia Castro encontrou o seu “par ideal”. Aos 29 anos, é mais uma das jovens “promessas” saídas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto, onde se tem destacado pelos seus estudos na área do cancro.

Nascida em Guimarães e criada em Felgueiras, junto com os avós maternos, Flávia recorda tempos felizes de uma infância vivida numa família numerosa: “Sempre fomos muitos à mesa, uma azáfama”. Com 10 filhos, 15 netos, e 3 bisnetos, “os meus avôs sempre foram para mim um exemplo de trabalho, união e partilha. Para além de trabalharem no campo, fizeram também parte da força e trabalho das tão conhecidas fábricas de calçado que caracterizam esta região. Os meus pais trabalham na indústria (calçado e eletricidade), mas sempre fomentaram a minha curiosidade, arranjando múltiplas formas de responder às minhas constantes interrogações, e são, desde sempre, os maiores entusiastas das minhas aventuras científicas e não-científica”».

Aos 10 anos, Flávia Castro mudou-se com os pais para Guimarães, onde fez o ensino básico e secundário e onde ingressou na juventude da Cruz Vermelha, participando em múltiplas ações e projetos de voluntariado com crianças. Esta experiência, reconhece, deu-lhe o privilégio de passar a adolescência com “pessoas inspiradoras” que influenciaram o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Em 2009, começou a frequentar a Licenciatura em Bioquímica da Universidade do Minho e desenvolveu particular interesse pela área da Imunologia. Fez um estágio curricular na área, no Instituto de Ciências da Vida e da Saúde (ICVS), com os investigadores Margarida Saraiva e António Gil Castro, que foram “absolutamente inspiradores e decisivos no percurso científico” que viria a seguir. A começar pelo Mestrado em Ciências da Saúde na Escola de Medicina, também na UM, onde desenvolveu trabalho na área de Imunologia e da Infeção. “Estive num nicho quase quimérico que estimulou e potenciou os meus interesses científicos. Continuava com a imunologia na mente, mas interessava-me o cancro”.

E foi precisamente para trabalhar na área da imunomodelação em cancro que, em 2015, Flávia Castro trocou o Minho pelo Porto, para ingressar no Programa Doutoral BiotechHealth, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto. Entre as salas e laboratórios do ICBAS e do i3S, diz ter encontrado um “ambiente absolutamente fascinante, sob orientação das investigadoras do i3S Maria José Oliveira e Raquel Gonçalves”. Nos últimos cinco anos, dedicou-se ao desenvolvimento de uma estratégia terapêutica, usando por base biomateriais, para modelação da resposta imune em cancro. Os horizontes abriam-se para Filipa. E o mundo também.

Na verdade, foi no seguimento deste trabalho, e com o suporte de uma ação da COST e de uma travel Grant da Sociedade Portuguesa de Imunologia (SPI), que Flávia teve a oportunidade de ir para o Laboratório do Professor Olivier de Wever, na Universidade de Ghent, na Bélgica, onde pôde testar, num modelo animal, o potencial das nanopartículas como adjuvantes à radioterapia. “Demonstrámos que estas nanopartículas potenciam a resposta dos animais à radioterapia, verificando-se uma diminuição geral da imunossupressão, que é frequentemente observada em tumores avançados, bem como a diminuição do tumor primário e das metástases”, recorda, sobre o que considera ter sido um “trabalho conjunto incrível” entre o i3S, o Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM) e a Universidade de Ghent.

Em 2019, este trabalho foi distinguido com o Best Student Award na Conferência Anual da Sociedade Europeia dos Biomateriais (ESB), tendo sido recentemente publicado na revista Biomaterials. Desde então, já foi galardoado em diferentes ocasiões: com o Julia Polak European Doctoral Award pela ESB, Best Poster Award pela Liga Portuguesa Contra o Cancro, e com duas travel grants pela Associação Europeia para a Investigação em Cancro (EACR), da qual Flávia Castro é “orgulhosamente” embaixadora desde 2018. Como primeira doutorada da família, recebeu ainda o grande galardão de “ovelha negra do rebanho” – leia-se família -, atribuído pelos primos.

Atualmente, Flávia Castro é investigadora júnior no grupo «Nanomedicines & Translational Drug Delivery» do i3S, liderado por Bruno Sarmento, e está a estudar novas estratégias para entrega de agentes quimioterapêuticos, com aplicação em cancro.

Naturalidade? Guimarães

Idade? 29 anos

– Do que mais gosta na Universidade do Porto?
Das pessoas, da sua excelência científica e da sua dedicação à Investigação e ao Desenvolvimento da Academia e do País. Do entusiasmo e da sua partilha de conhecimento franca, que tanto nos motiva. Da organização e do dinamismo. Da ambição de fazer diferente, de sermos melhores. Do progresso.

– Do que menos gosta na Universidade do Porto?
Bem… A Universidade tem tido resultados excelentes nas mais variadas avaliações, o que muito nos orgulha. Mas o progresso é um caminho longo e trabalhoso, que pode ser fomentado a longo prazo pela melhoria das condições de trabalho da massa docente/investigadores, que todos os dias garantem um ensino de qualidade e uma investigação competitiva. Estamos no caminho da mudança.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 
Ainda há espaço para melhorar a articulação entre os diferentes institutos/faculdades associados à Universidade, promovendo a interdisciplinaridade das diferentes graduações. No fundo, aliar a cultura científica a um ensino superior de excelência.

– Como prefere passar os tempos livres?
Aproveito para estar com a família e amigos. Gosto de ir à praia e fazer caminhadas. Em dias de chuva, ver séries e colocar leituras em dia.

– Um livro preferido?
Não sei se tenho um livro preferido, mas adoro Fernando Pessoa. Gostei de um livro que li recentemente, “O Amor em Tempos de Cólera” de Gabriel Garcia Marquez. Agora estou a ler o “Sapiens” de Yuval Noah Harari e “O vermelho e o negro” de Stendhal.

– Um disco/músico preferido?
Bem… a música é a vida em andamento. Gosto de tantos e de vários estilos, difícil escolher um. Nos últimos tempos, Brian Fennell, Leon Bridges e Kodaline têm sido a minha companhia musical.

– Um prato preferido?
Esta é fácil, todos os pratos feitos pela minha mãe. E uma boa pizza artesanal, claro.

– Um filme preferido?
Não sou uma aficionada pelo cinema, gosto mais de séries, mas recordo-me de alguns que me marcaram, “A lista de Schindler”, de Spielberg e “Diamantes de Sangue”, de Zwick. Recentemente, o incontornável “Joker”, de Tood Phillips, que nos trouxe um desconfortável alerta para as doenças mentais, ainda tão “esquecidas” e subvalorizadas.

– Uma viagem de sonho? 
Sou naturalmente apaixonada por viagens, por pisar e sentir ruas diferentes. Realizada recentemente, os Açores. Mas tantas por realizar… o enigmático Japão está na lista, bem como o Sudeste Asiático. De mochila às costas.

– Um objetivo de vida?
Nunca perder a curiosidade e a vontade de aprender. Aprender algo novo todos os dias. Tenho a certeza que isso me levará sempre ao lugar onde estarei feliz e realizada.

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)
Acho que tenho o privilégio de estar rodeada de pessoas maravilhosas, que são verdadeiras fontes de inspiração. Sem dúvida que o rigor do meu pai e a resiliência da minha mãe são os valores chave que me regem e por isso, ambos são uma fonte de inspiração diária. Assim como a bondade e dedicação do Tiago. Não posso deixar também de referir o meu avô Zeca, que nunca se poupou nas perguntas e na resistência, e aquando de uma missão nacional aparentemente inexequível, fez dela um objetivo pessoal, não descansado enquanto o seu trabalho não fosse realizado. Com um admirável sentido de justiça, ensinou-me o caminho. É uma inspiração de sempre e para sempre.

– O projeto da sua vida…?
A nível pessoal, o meu projeto de vida tem uma receita simples: ser feliz, construir a minha própria família e poder passar os valores que me foram passados pelos meus pais e avós.

Profissionalmente, todos ambicionamos desenvolver projetos que possam vir a ter um real impacto na vida das pessoas, a ciência está em constante evolução. Gostava de mudar o olhar europeu perante a incontornável importância da ciência na sociedade e para o seu desenvolvimento. Ter um papel ativo na tomada de decisões no sector: financiamento, desenvolvimento e implementação. Fazer com que a ciência seja de Todos e para Todos.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?
Promover a qualidade de investigação e ensino, contratando jovens talentos para o universo da U.Porto.