Os morcegos não poderiam ter melhor advogado. Longe das áreas do Direito, Diogo Ferreira sabe bem defender o fundamental papel destes animais na natureza, vida e biodiversidade. E bem provou o seu talento para a comunicação ao contar em apenas três minutos, e com um único slide, a história e resultados da sua tese de doutoramento realizada na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS/CIBIO-InBIO).
O jovem investigador de 31 anos venceu a edição 2024 da competição U.Porto 3MT® com a apresentação do seu trabalho sobre o papel dos morcegos no controlo das pragas de insetos nas plantações de cacau em África.
Quando começou a licenciatura em Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 2010, e mesmo no início do Mestrado em Biologia da Conservação, em 2013, pela mesma instituição, Diogo nada sabia sobre estes curiosos animais. Foi durante a dissertação de mestrado, em 2014, na Amazónia, que teve a oportunidade de os conhecer. “O fascínio e o amor pelos morcegos surgiu e nunca mais se foi.”, conta.
Por isso, quando, em 2017, surgiu uma oportunidade de liderar uma equipa de investigação para um trabalho de campo nos Camarões, com aqueles animais, Diogo não pensou duas vezes.
“Depois de ir duas vezes realizar trabalho de campo aos Camarões, apercebi-me de que este seria o projeto perfeito para realizar o meu Doutoramento. Era sobre morcegos (não poderia ser outra coisa) e tinha um lado de conservação da natureza muito prático que era tentar criar um equilíbrio entre a diversidade de morcegos e a produção de cacau”, descreve.
Em 2018, candidatou-se a uma bolsa de doutoramento na Fundação para a Ciência e Tecnologia e começou uma aventura que terminou em fevereiro deste ano com a defesa da tese na FCUP.
Habituado às noitadas com morcegos no trabalho de campo, Diogo gosta de aproveitar também os tempos livres em ambiente citadino e muita música.
Agora que terminou o seu doutoramento, sonha em contribuir para plantações de cacau mais amigas do ambiente e dos morcegos e em ajudar a melhorar a qualidade de vida dos agricultores que a elas se dedicam. Aguardemos os próximos voos do Batman. Ele promete.
Naturalidade? Caldas da Rainha
Idade? 31 anos
– De que mais gosta na Universidade do Porto?
Todo o meu doutoramento foi feito entre o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) no Campus de Vairão da Universidade do Porto, os Camarões (onde realizei trabalho de campo) e Durham (onde realizei trabalho de laboratório). Então a minha experiência na U.Porto foi muito limitada à realidade do CIBIO. Mas sem dúvida o que mais gosto são as pessoas. No fim são as pessoas que fazem as instituições. E o CIBIO tem uma grande comunidade. Grande parte do cientista que sou hoje em dia deve-se a estas pessoas magníficas que conheci ao longo destes 5 anos.
– De que menos gosta na Universidade do Porto?
Da distância entre os centros de investigação associados à Universidade e as suas faculdades. Sei que é uma realidade difícil ou mesmo impossível de mudar, mas cria algum distanciamento entre as suas comunidades.
– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
Enquanto estudante de doutoramento, reduzir a taxa de admissão a provas de doutoramento seria algo que facilitaria a vida a muitos estudantes. Eu acabei o doutoramento um pouco mais tarde do que seria suposto (algo comum de acontecer), então a minha bolsa de doutoramento já tinha terminado. Felizmente, tive a sorte de começar a trabalhar para outro projeto na altura. Mas nem todos os estudantes têm a mesma sorte. Pagar 500 euros representa um peso enorme para qualquer estudante, sobretudo se estiverem nessa situação. Então acho que reduzir essa taxa seria uma mais-valia para a comunidade de estudantes de doutoramento da U.Porto.
– Como prefere passar os tempos livres?
Enquanto biólogo passo muito tempo no meio da natureza, então tendo a fugir para os meios urbanos durante os meus tempos livres (apesar de adorar umas boas trilhas). Para mim não tem nada como ir sair à noite e dançar ao som de uma boa música pela noite adentro. Gosto de dizer que é a minha preparação para quando tenho que ir para o campo trabalhar com morcegos.
– Um livro preferido?
“A ilha” de Aldous Huxley. É um livro que mostra a potencialidade da humanidade. A utopia que contrapõe a distopia que é o livro “admirável mundo novo”.
– Um disco/músico preferido?
Esta é complicada. Mas se for baseado no top que o Spotify dá todos os anos teria que ser Tasha Sultana, Imagine Dragons ou Linkin Park. No entanto, há um álbum que é o meu preferido sempre que tenho que partilhar algo relacionado com o que faço. É o Field Works: Ultrasonic, um álbum que combina música com sons de morcegos para criar melodias magníficas.
– Um prato preferido?
Bacalhau. É aquela comida que começo a sentir falta depois de estar 2 meses a fazer trabalho de campo fora de Portugal. Se tivesse que escolher seria Bacalhau à brás ou com natas.
– Um filme preferido?
Seria um clichê se dissesse O Cavaleiro das Trevas? Senão teria que escolher a trilogia do Senhor do Anéis.
– Uma viagem de sonho?
Durante a minha vida académica, tive a sorte de viajar para vários países, tendo realizado trabalho de campo com morcegos no continente Africano e Americano. Por isso, teria que escolher como viagem de sonho visitar o continente Asiático, talvez as Filipinas. Para conseguir ver o maior morcego do mundo, o Morcego-dourado-filipino (quando abre as asas pode atingir o metro e setenta 😱). Ou a Tailândia. Para conseguir ver o morcego mais pequeno do mundo, o Morcego-nariz-de-porco-de-kitti (com três centímetros de comprimento).
– Um objetivo de vida?
Eu nunca tive propriamente objetivos de vida. Até agora fui vivendo apenas à procura daquilo que me motivava, e essas vivências foram mudando os meus objetivos pessoais. Mas trabalhar com morcegos é algo que tenciono fazer enquanto for cientista. E quem sabe um dia ser professor numa universidade portuguesa.
– Uma inspiração?
Os meus pais são a minha maior inspiração. Sem eles, o seu amor e todos os sacrifícios que fizeram eu não estaria aqui a responder a este questionário. Se eu hoje faço o que gosto e sonho em ser algo mais é tudo graças à minha mãe e ao meu pai.
– O projeto da sua vida…
Não sei se é um projeto de vida, mas sem dúvida é um projeto que quero realizar agora que acabei o meu doutoramento. Em conservação da natureza há o hábito de seguirmos em frente quando o financiamento dos projetos acaba. Por isso mesmo queria dar continuidade ao meu doutoramento, aplicar todo o conhecimento que adquiri durante estes cinco anos para tornar as plantações de cacau mais amigas do ambiente e dos morcegos, e quem sabe contribuir para melhorar a qualidade de vida dos agricultores.
O sonho seria estabelecer um certificado Bat-Friendly para conseguir preços melhores para o cacau vendido por estes agricultores e assim reconhecer todo o sacrifício que eles têm que fazer para manter estas plantações sustentáveis.
– Uma ideia para desmitificar os morcegos (ou cinco razões pelas quais as pessoas devem gostar destes animais)
Apesar de os morcegos terem má fama, a verdade é que é fácil encontrar razões para gostar deles. Em Portugal temos 29 espécies de morcegos e todas as espécies são insectívoras (ou seja, comem insetos). Isto faz com que os morcegos sejam importantes supressores de pragas agrícolas. Graças a eles, anualmente, são poupados no mundo milhões de euros através da redução dos danos causado por insetos em plantações (ex: algodão, arroz, cacau, etc) e do uso de pesticidas. Para além disto, o consumo de insetos faz com que os mosquitos sejam um inimigo natural dos morcegos. E sejamos honestos, entre mosquitos e morcegos todos nós preferimos morcegos.
Se formos para outras áreas do mundo, os morcegos não se alimentam apenas de insetos, comem também fruta e pólen. Isto faz deles ótimos dispersores de sementes. As sementes dos frutos que eles comem são libertadas nas suas fezes, o que contribui muito para reflorestar as florestas que nós temos destruído nas últimas décadas.
Mas os morcegos não ajudam as nossas florestas só através da dispersão de sementes, eles também ajudam na polinização (um trabalho normalmente associado às abelhas). No total, são mais de 500 espécies polinizadas pelos morcegos, entre elas temos a manga e a banana. A minha planta favorita que é polinizada por um morcego é o Agave. E sabem o que é que o Agave nos dá? A Tequila! Uma bebida muito apreciada no mundo inteiro e usada pela comunidade de estudantes da U.Porto para celebrar as suas inúmeras conquistas. Sem morcegos, a Tequila não existiria!