“Devemos procurar ativamente tornar o mundo que habitamos um pouco melhor para todos que nele vivem…” Se as palavras arriscam a soar a cliché de circunstância, para António Gil Azevedo, a máxima é levada à letra diariamente. No caso deste finalista do Mestrado Integrado em Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto, a medicina e a investigação “são a forma mais bela para cumprir esse fim.”

Foi, de resto, o desejo de contribuir para o desenvolvimento de melhores cuidados de saúde que levou António a ingressar no Mestrado Integrado em Bioengenharia da U.Porto – lecionado na Faculdade de Engenharia e no ICBAS – em 2010. Durante o curso (concluído em 2017), fez Erasmus no King’s College London (2014), onde pôde trabalhar com modelos baseados em células estaminais humanas para estudar o neuro-desenvolvimento e condições como as perturbações do espetro do autismo .

Em 2016, partiu para os Estados Unidos para desenvolver a tese de mestrado de Bioengenharia no Massachusetts General Hospital / Harvard Medical School. Durante um ano, pôde aprofundar conhecimentos em neurociências e genética humana e contribuir para o estudo de potenciais novos alvos terapêuticos para a doença de Huntington (uma doença neuro-degenerativa hereditária com componente motora, cognitiva e comportamental, ainda sem cura e com grande impacto na vida dos doentes e dos seus próximos).

Por esta altura, já António Gil Azevedo tinha abraçado o outro desafio que o leva diariamente às salas e laboratórios da U.Porto. Atualmente a frequentar o 6.º ano do Mestrado Integrado em Medicina (onde ingressou em 2012), tem ainda no currículo uma Pós-Graduação em Gestão e Direção de Serviços de Saúde na Porto Business School (2018).

Com um percurso académico distinto, o engenheiro e «quase médico» teve a oportunidade de realizar várias formações e estágios de investigação e médicos adicionais em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente na Ucrânia, Reino Unido, Canadá, Taiwan, França e Alemanha. Participou também ativamente em atividades associativismo e voluntariado dentro e fora da universidade, em particular, no Núcleo de Estudantes de Bioengenharia (NEB – FEUP/ICBAS), no nowScience – Júnior Empresa ICBAS/FFUP e no Pint of Science Portugal.

Mais recentemente, António Gil Azevedo saltou para a ribalta graças à conquista de um apoio monetário no valor de 15 mil euros, atribuído pela Fundação Professor Ernesto Morais, a aplicar num projeto de investigação centrado no estudo do cérebro de doentes com sobreposição de patologias associadas a tipos comuns de demência (em particular doença de Alzheimer e Demência de corpos de Lewy). O objetivo passa por abrir portas ao desenvolvimento de novos biomarcadores que permitam terapias mais dirigidas e ajustadas a diferentes grupos de doentes.

Para o jovem investigador portuense, receber este apoio “é o reconhecimento do mérito do trabalho de investigação proposto”, mas também “um novo e forte estímulo para continuar a tentar fazer sempre mais e melhor para promover a saúde humana e melhores cuidados de saúde”. O futuro passa agora por contribuir com “todas as forças para que gerações presentes e futuras sofram menos por doença”. E motivação não lhe falta: “Os doentes e o desafio científico são para mim uma fonte de inspiração constante.”

António Gil Azevedo durante a sessão de atribuição do apoio monetário pela Fundação professor Ernesto Morais. (Foto: DR)

 Naturalidade? Porto, Portugal

Idade? 29 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

A Universidade do Porto tem uma qualidade de ensino e formação de excelência. Os docentes são referências nas suas áreas e lideram investigação de vanguarda, mantendo-se ativos na sociedade civil e nas instituições em que participam. A oportunidade de contactar de perto com Professoras e Professores inspiradores marcou o meu percurso enquanto estudante. Sinto que a formação que tive na Universidade do Porto me permitiu sempre ter igual ou melhor preparação que outros estudantes/trabalhadores mesmo em contexto de universidades e instituições internacionais de referência. Existe também uma cultura de contacto e participação precoce com investigação e inovação e um ecossistema de proximidade entre docentes, não docentes e estudantes que torna a experiência dos estudantes verdadeiramente enriquecedora, agradável e memorável.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

A grande penetração da Universidade do Porto no tecido da cidade cria um desafio em termos da distância física entre as diferentes faculdades e instituições. Esta distância física por vezes traduz-se na fragmentação da comunidade de docentes, não docentes e estudantes, levando a menos oportunidades de interação interdisciplinar enriquecedora e a dificuldades acrescidas em termos organizacionais sempre que é necessária a articulação entre duas ou mais unidades orgânicas. Reconheço o progresso e esforços que têm sido desenvolvidos nesta área e estou confiante de que a atenção institucional para esta questão permitirá um futuro mais coeso e integrado.

Enquanto estudante que frequentou múltiplas formações em simultâneo na Universidade do Porto, não posso deixar de mencionar que as políticas atuais da universidade para este tipo de estudantes, embora tenham vindo a tornar-se mais favoráveis, continuam muito restritivas. Escolhi fazer o meu percurso com formação simultânea em engenharia e medicina na Universidade do Porto pela qualidade do ensino e formação e estou muito feliz com a minha decisão. Acredito que tal como outras instituições portuguesas e internacionais a Universidade do Porto tem todo o potencial e recursos para fomentar futuras gerações de profissionais com formações duplas, cada vez mais relevantes num mundo crescentemente interdependente, desafiante e plural.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

A Universidade do Porto é uma instituição de excelência, tem dimensão e é uma referência em múltiplas vertentes do conhecimento. Acredito que uma ainda maior proximidade da sociedade civil local e o fomentar de projetos interdisciplinares permitiria à U. Porto chegar ainda mais longe em termos de impacto externo e interno.

– Como prefere passar os tempos livres?

Gosto de partilhar momentos com família e amigos, mas também de conhecer novos mundos viajando fisicamente ou através de livros, filmes e do estudo de línguas estrangeiras. Como diria Proust, a verdadeira viagem de descoberta não está em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos capazes de ver de forma diferente.  Gosto também de me manter ativo na comunidade próxima e menos próxima através de associativismo e voluntariado. Acredito que somos em parte mais aquilo que fazemos que aquilo que pensamos.

– Um livro preferido?

É muito difícil escolher só um. Gosto de livros de não ficção com os quais podemos compreender melhor o mundo em que vivemos, como o Factfulness de Hans Rosling. Não prescindo, contudo, de livros de ficção que nos ajudam a explorar a natureza humana em situações de exceção ou pela perspetiva de autores que viveram em contextos diferentes, mas simultaneamente próximos do nosso, como na Aprendizagem de Duddy Kravitz, de Mordecai Richler. Dentro da ficção gosto particularmente de distopias como o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley ou 1984 de George Orwell e de ficção científica como a Trilogia da Fundação e o Eu, robô de Isaac Asimov.

– Um disco/músico preferido?

Gosto de vários géneros musicais, mas sou um fã confesso de música dos anos 80. Dentro da música portuguesa gosto muito do trabalho do David Fonseca.

– Um prato preferido?

Caldo verde e francesinha, mas guardo sempre espaço no meu coração/estômago para pratos novos. Faz bem ter um pouco de tutti frutti no dia a dia. O chocolate amargo e os frutos secos são também uma agradável perdição.

– Um filme preferido?

Podia escolher vários, mas tenho de destacar o Gattaca (1997) – um filme de que me vou sempre lembrar, em parte porque fui atropelado no dia em que o vi pela primeira vez, mas sobretudo pela forma como explora a dimensão humana de um mundo em que a edição genética se impõe e os seres humanos são concebidos com seleção de características pelos pais e sociedade. Seria difícil de acreditar quando vi o filme pela primeira vez que poucos anos depois teria a oportunidade de trabalhar com novas tecnologias de edição genética em Harvard e de usar estas ferramentas para acelerar a procura de novas terapias para uma doença neuro degenerativa. As questões éticas levantadas no filme continuam muito atuais. A investigação tem de dialogar com a sociedade. Acredito num mundo plural e inclusivo no qual a discriminação genética e eugenia não podem ser aceites e devem ser ativamente combatidas com factos e argumentos fundamentados.

– Uma viagem de sonho?

Tive já a oportunidade de realizar algumas viagens de sonho por exemplo a Taiwan, Montreal, Berlim e Boston entre outras. Para mim a viagem perfeita implica viver um período prolongado de tempo (pelo menos um mês) junto de uma nova cultura e ter o tempo de conhecer pessoas locais, fazer amizades e viver um pouco do ritmo e sabores do dia a dia local. A próxima viagem é naturalmente sempre a mais apetecida, mas neste momento ainda está por definir.

– Um objetivo de vida?

Crescer enquanto pessoa e pôr tudo que sou naquilo que faço.

– Uma inspiração?

A medicina permite o privilégio de contactar de perto com pessoas em momentos importantes de adversidade, superação e resiliência. Cada dia no hospital leva a muita reflexão sobre a natureza humana e é uma inspiração para procurar viver de forma mais sentida, intencional e com significado e gratidão. Os doentes e todos os profissionais de saúde com que contactei são sem dúvida uma grande inspiração. A minha família e amigos próximos, bem como muitos dos professores e supervisores com que contactei são também uma importante fonte inspiração e sei que lhes devo muito de quem sou.

Tendo de escolher uma personalidade pública, escolheria o Bill Gates, não pela pessoa em particular (todos os seres humanos são seres complexos e com múltiplas facetas) mas pelo seu altruísmo e excelente trabalho junto da Bill and Melinda Gates Foundation que tem feito muito ao longo dos últimos 20 anos para lutar de forma sistemática e baseada em evidência contra a pobreza, doença e injustiça no mundo.

– O projeto da sua vida…

Acredito que devemos ser exigentes connosco próprios para conseguir tornar o mundo que habitamos um pouco melhor para todos que nele vivem. A medicina e a investigação são para mim a forma mais bela para cumprir este fim.

– Uma ideia para promover uma maior ligação ao nível da investigação entre a Universidade e a comunidade?

O trabalho da U. Porto e da sua investigação em termos de maior proximidade da sociedade ao longo dos últimos anos tem sido excelente. Acredito que poderia chegar ainda mais longe através da abordagem de temas como a inovação desde o inicio da formação e o fomento de projetos transdisciplinares que envolvam estudantes, docentes, investigadores e empreendedores de diferentes áreas. A existência de estímulos para a iniciativa e excelência poderão também contribuir. Um dialogo ainda mais próximo com intervenientes da comunidade local e menos local para compreender os desafios e oportunidades no terreno poderá também contribuir para o desenvolvimento de projetos com impacto mais direto e imediatamente tangível na comunidade.

– Um conselho para um estudante que inicie agora o seu percurso académico e não saiba se deva seguir ou não a investigação?

Acredito que não há nada como experimentar para poder ter uma opinião informada. Se existe curiosidade, recomendo falar com professores e investigadores com projetos que considerem empolgantes e importantes em que tenham interesse em participar. Se uma porta estiver fechada, não desistam e procurem novas portas ou janelas. Por vezes os investigadores não conseguem receber estudantes com menos experiência em dado momento por falta de pessoas com tempo e vocação para acompanhar os estudantes nesse momento. Com um pouco de persistência vão conseguir encontrar uma oportunidade de explorar o mundo da investigação, tão dinâmico e presente na U. Porto.