Conhecida como a menina da trança loira que jogava futebol, durante a infância, passada na Vila de Cucujães, em Oliveira de Azeméis, Andreia Pereira começou por dedicar  parte do seu tempo a estudar violino. Mas foi o entusiasmo transmitido pelo irmão, que na altura já era cientista, que a cativou para o mundo das Ciências. E sempre que teve de fazer opções, foi este o caminho que seguiu: licenciatura em Bioquímica, na Universidade de Aveiro, mestrado também em Bioquímica, na Universidade do Porto, e depois o doutoramento em Biologia Básica e Aplicada, através do programa GABBA da U.Porto.

No início da sua carreira científica, Andreia teve oportunidade de explorar diferentes áreas de investigação, nomeadamente química alimentar, biologia molecular e celular, e química computacional. Já durante o doutoramento, que desenvolveu no INEB – Instituto de Engenharia Biomédica (hoje integrado no i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da U.Porto), sob orientação da investigadora Inês Gonçalves, focou a sua investigação no desenvolvimento de biomateriais contendo grafeno com o objetivo de os utilizar como dispositivos para contacto com o sangue.

Atualmente a trabalhar no grupo «Advanced Graphene Biomaterials» do i3S, Andreia Pereira foca a sua investigação nas doenças cardiovasculares e está a desenvolver o primeiro enxerto vascular sintético e anti-adesivo para o bypass das artérias coronárias, projeto financiado com 100 mil euros pela Fundação «la Caixa», no âmbito do Concurso CaixaResearch Validate. Paralelamente, está também a trabalhar em sistemas que permitem converter a energia mecânica do próprio corpo em elétrica para alimentar sensores e dispositivos eletrónicos cardíacos, no âmbito de um projeto financiado com 250 mil euros pela FCT.

É, de resto, no âmbito deste último trabalho que se integra o projeto que lhe valeu a recente conquista da uma das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência 2022. Para além disso, integra um consórcio europeu liderado por uma equipa portuguesa do i3S, financiado com quase três milhões de euros pelo Conselho Europeu de Inovação para desenvolver dispositivos médicos vasculares inteligentes.

Mas o reconhecimento do trabalho da jovem investigadora não se fica por aqui. Vencedora da primeira edição do Prémio Maria de Sousa, atribuído pela Fundação Bial e pela Ordem dos Médicos, Andreia Pereira conta no currículo com o prémio “Julia Polak European Doctorate Award 2021”, entregue pela “European Society for Biomaterials”, e com uma “travel grant” atribuída pela «Graphene week 2019» .

Autora de 17 artigos em revistas internacionais, de um capítulo no renomado livro “Biomaterials Science” e de um pedido internacional de patente (em exame), a investigadora assume como projeto de vida “contribuir para que haja uma melhoria significativo na vida das pessoas”. E é por isso que aposta na transferência para o mercado das tecnologias que desenvolve no laboratório, ambição que já a levou a frequentar quatro programas de empreendedorismo: HiTechOne, HitechTwo, Tech Transfer Leadership in Life Sciences da UPF – Barcelona School of Management e o Programa de Apoio a Inovação do EIT-Health/UP.

Mestre em Bioquímica e doutorada em Biologia Básica e Aplicada pela U.Porto, Andreia Pereira está ligada há vários anos ao grupo “Advanced Graphene Biomaterials” do i3S. (Foto: DR)

Naturalidade? Vila de Cucujães

Idade? 31 anos

– Do que mais gosta na Universidade do Porto?

A oferta educativa, nomeadamente a diversidade e a excelência das licenciaturas, mestrados e doutoramentos, os institutos de investigação associados, onde se insere o i3S, o espirito de cooperação, a multiculturalidade e as iniciativas dedicadas aos mais novos (Mostra da U. Porto, Universidade Júnior, MSc open day no i3S).

– Do que menos gosta na Universidade do Porto?

Tenho um ponto fulcral a apontar, que não é só na U.Porto, mas sim a nível nacional, que é a precariedade científica e a ausência de uma definição de carreira de investigador. Seria muito mais aliciante ter critérios de continuidade e progressão de carreira definidos, pois iria motivar a comunidade cientifica e atrair talento, contribuindo para promover uma investigação ainda mais de excelência da U.Porto e de Portugal.

Um ponto mais particular está relacionado com a burocracia associada aos procedimentos dentro da Universidade. O tempo que um investigador passa a resolver pequenos problemas de foro burocrático é contraproducente.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

Criar um sistema de promoção e progressão de carreira e simplificar os procedimentos burocráticos associados a cada ação que implique a U.Porto.

– Como prefere passar os tempos livres?

Apesar de parecer um clichê, sempre que vejo um raio de sol ou mesmo quando está a chover, adoro ir passear ou tomar café junto ao mar. O mar é realmente um grande conselheiro para mim. Outro dos meus pontos de reflexão é a música, e assim sendo, tocar guitarra ou violino é também uma das minhas formas de descontrair. Para além disso, adoro jogar padel e, para culminar em perfeição, uma boa experiência gastronómica ou um bom pôr-do-sol com os meus amigos.

– Um livro preferido?

«Quando Nietzsche Chorou», de Irvin D. Yalom. Tem um enredo que demonstra o poder da psicanalise e da reflexão. Este livro eleva ao expoente máximo, e de uma forma inspiradora, os valores de amizade, amor, lealdade e cooperação.

– Um disco/músico preferido?

A música é realmente algo que me acompanha diariamente em várias circunstâncias, desde o trabalho até as viagens de carro. Aliás, não me lembro de um único dia que tenha passado sem ouvir musica. Assim sendo, escolher um disco/música preferido para mim é muito difícil, porque, dependendo do contexto, acabo por ouvir e gostar de uma panóplia de músicas. Ouço todos os géneros musicais, desde música clássica, e aí posso salientar alguns compositores, Dvořák, Mozart e Bach, até ao Reggaeton e Pimba passando pelo Pop, Rock, Indie, dos quais saliento: The Weeknd, Imagine Dragons, Bad Bunny, Tom Walker, Coldplay, Metronomy, Billie Eilish, Foster The People, Kings of Leon, Florence + The Machine e Green Day.

– Um prato preferido?

Considero-me uma espécie de Foodie porque adoro experimentar sabores completamente diferentes e explorar sítios sempre novos. No entanto, a eleição para o prato preferido não poderia deixar de ir para algo tão tradicional como o polvo à Lagareiro, que só a minha Mãe sabe fazer.

– Um filme preferido?

No que toca aos filmes gosto de uma boa comédia para relaxar, mas destaco estes filmes como preferidos: «A Ilha», «A Origem», «O Cisne Negro» e o «Esquadrão Suicida».

– Uma viagem de sonho? 

Quem me conhece sabe que, para mim, viajar é a melhor forma de adquirir energia, motivação e inspiração, nomeadamente através do contacto com uma cultura diferente e com a oferta gastronómica. Como cientista, tenho a sorte de ter facilidade em viajar (por exemplo em conferências), mas também de poder ter a experiência de viver em países diferentes. Aliás, realizei uma das minhas viagens de sonho quando estava a viver na Áustria, durante o meu doutoramento: uma roadtrip pelos lagos na região de Salzkammergut que têm paisagens fantásticas. Sobre viagens de sonho a realizar, saliento o México, Japão, Islândia (ver as auroras boreais), praias da Croácia, Grécia e costa Amalfitana.

Andreia Pereira numa viagem a Pequim. (Foto: DR)

– Um objetivo de vida?

No meu dia-a-dia gosto muito de criar soluções para os problemas das pessoas no geral, desde os mais pequenos até aos mais complexos. E por isso é que senti a necessidade de trabalhar numa área de investigação que fosse mais aplicada, como é a bioengenharia, e focar-me num problema que considero muito desafiador e que tira a vida a ~17.9 Milhões de pessoas no mundo por ano, as doenças cardiovasculares.

– Uma inspiração?

Na minha vida tenho a sorte de viver rodeada de pessoas que me inspiram e são autênticos modelos a seguir. Começando logo pelos meus pais que, vindos de famílias muito humildes, sempre lutaram muito para me poderem proporcionar os meus estudos, e deram-me os melhores conselhos. Bem perto, tenho ainda o exemplo do meu irmão, André Pereira, que para além de ser um dos cientistas que mais admiro, é a prova de que, para além do talento, o esforço e a dedicação trazem sempre a sua recompensa. Os meus mentores/supervisores científicos em cada uma das minhas fases, também foram/são uma inspiração. Saliento a Inês Gonçalves, pelo seu percurso, pelas oportunidades que me tem proporcionado e pelos conselhos aos seus mentees. E os meus amigos, claro, em particular a minha compincha do dia-a-dia no lab, Patrícia Henriques, que me demonstra que ser paciente e saber priorizar são a chave do sucesso.

– O projeto da sua vida…

O meu projeto de vida vai um bocadinho ao encontro do meu objetivo de vida, ou seja, contribuir para que haja uma melhoria significativa na vida das pessoas e, considerando o meu foco de investigação, nas pessoas que sofrem de doenças cardiovasculares.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?

Poder-se-ia promover uma forma de interação entre todos os investigadores da UP através de uma espécie de intranet/rede social onde as pessoas conseguissem conectar-se de acordo com os seus interesses, necessidades, áreas de investigação e/ou skills, ou para partilhar as suas experiencias e ensinamentos. Isto iria enriquecer as interações e colaborações entre diferentes institutos e faculdades e acelerar o progresso cientifico e tecnológico, ao mesmo tempo que promoveria a investigação da UP a nível nacional e internacional.