“Todas as artes contribuem para a maior de todas: a arte de viver”, dizia Bertold Brecht. A citação proferida pelo reconhecido dramaturgo alemão também poderia caracterizar o trajeto de Ana Zão, médica formada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e coordenadora de um Centro que visa promover a saúde dos artistas.
“Sedenta de desafios”, a especialista em Medicina Física e de Reabilitação, com competência em Medicina da Dor e especialização em Medicina das Artes Performativas, tem vindo a traçar um percurso profissional bastante rico, quer na medicina, quer na música, “as duas verdadeiras paixões que muito me realizam”, afirma.
Atualmente a frequentar o doutoramento em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde da FMUP, Ana Zão não tem dúvidas em destacar a “relação de sinergias” que ocorre entre as duas áreas. “Tal como nas artes, na medicina é preciso saber ouvir, compreender, comunicar, exprimir, orquestrar equipas e recursos. É fundamental um certo grau de inquietude e criatividade para fomentar os avanços científicos e as melhorias da nossa prática clínica”.
Ao longo do percurso que tem pautado na música, Ana Zão apercebeu-se dos problemas de saúde desenvolvidos pelos artistas e do respetivo “impacto significativo na performance, funcionalidade e na qualidade de vida”. Para que se pudesse combater essa realidade, fundou, em 2020, o Centro Internacional de Medicina das Artes – o primeiro Centro em Portugal dedicado à abordagem dos problemas de saúde dos músicos, bailarinos e outros artistas de performance.
“É já robusta a evidência científica sobre os benefícios terapêuticos das diferentes artes na medicina, inclusive no tratamento de várias doenças, desde o foro musculosquelético, neurológico, de saúde mental, entre outras”, refere a especialista. Por isso, o Centro Internacional de Medicina das Artes e os projetos de investigação que têm realizado na FMUP tem permitido enriquecer a prática clínica e o conhecimento científico numa área que diz ser “tão carenciada”.
No passado mês de março, Ana Zão foi uma das distinguidas com o Prémio Cidadania Ativa da U. Porto, pela contribuição para o crescimento da Medicina das Artes Performativas, através do desenvolvimento de programas de promoção da saúde do artista e programas de tratamento inovadores. “Uma honra indubitável”, afirma a especialista, para quem este galardão “representa muito mais do que um reconhecimento, pois traz com ele um sentido de responsabilidade acrescido para continuar a contribuir para o enriquecimento da ciência, da saúde e da cultura.”

Ana Zão a atuar no Festival Musica Riva (Itália). // Foto: DR
Naturalidade? Esposende
Idade? 36 anos
– De que mais gosta na Universidade do Porto?
A qualidade educativa e científica, assente em raízes fortes de uma Universidade com reconhecida história, mas que visa a constante inovação. Por esse motivo, tem sido a minha “casa” desde 2004 (Licenciatura, Mestrado, Pós-graduações e Doutoramento).
– De que menos gosta na Universidade do Porto?
O facto de não existir uma articulação mais facilitada entre as diferentes faculdades que a integram.
– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
Implementação de estratégias de facilitação e potenciação de sinergias entre as diferentes faculdades (assim como entre as faculdades e a comunidade ou outras Instituições), nas diferentes áreas de conhecimento.
– Como prefere passar os tempos livres?
No seio da família, a criar momentos felizes (de preferência com os meus filhos), numa sala de concertos, a partilhar ou a receber música ou, até mesmo, num relaxante passeio à beira-mar.
– Um livro preferido?
Poesia de Fernando Pessoa.
– Um disco/músico preferido?
É difícil particularizar apenas um, pois a lista é extensa e varia consoante o momento/ocasião. Poderia referir músicos de estilos tão distintos, como Franz Liszt e António Zambujo.
– Um prato preferido?
Arroz de tamboril com gambas.
– Um filme preferido?
“La vita è bella”, de Roberto Benigni.
– Uma viagem de sonho?
Austrália e Nova Zelândia (já realizada, mas que pretendo repetir).
– Um objetivo de vida?
Ser o melhor de mim em cada momento, naquilo que faço e naquilo que sou para os outros. No fundo, continuar a ser imensamente feliz.
– Uma inspiração?
No que se refere a pessoas, a minha família é uma enorme fonte de inspiração, em particular a minha mãe. Quanto a situações que me inspiram, sem dúvida, os momentos passados a tocar piano num ambiente intimista e “só meu” (tocar é não só inspirador, como apaziguador e, simultaneamente, energizante e apaixonante).
– O projeto da sua vida…
Continuar a “nutrir” todas as minhas paixões (pessoais, familiares, profissionais e artísticas) e os meus diferentes “papéis”, que tanto me enriquecem e realizam (ser mãe, esposa, filha, amiga, médica, pianista, investigadora, entre outras).
– Como vê a relação entre a medicina e as artes?
No meu entender, a medicina tem também algo de artístico, a arte do cuidar. São duas formas de “doação” ao outro, embora a medicina tenha um cunho mais objetivo. Não obstante toda a ciência e pragmatismo do conhecimento médico (tão importante e que me fascina), ser-se médico é muito mais do que isso, sobretudo quando falamos da relação médico-doente. Do ponto de vista pessoal, a medicina e as artes são duas verdadeiras paixões que muito me realizam. Poder dedicar-me a ambas e, inclusive, criar sinergias entre elas é para mim um enorme privilégio.