Apresenta-se como “um filho da Universidade do Porto”, ou não tivesse sido aqui que trilhou um percurso de excelência como estudante, professor e investigador. Aos 66 anos, Alberto Caldas Afonso é Professor Catedrático e diretor do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). O mesmo que voltou a liderar , pelo quarto ano consecutivo, a tabela dos cursos com nota de entrada mais elevada no país – 189,0 valores – na 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior 2022/2023.

“Voltámos a ser a primeira escolha dos estudantes de medicina e isso é um grande motivo de orgulho, mas também reflexo do trabalho que temos feito e que torna o MIM do ICBAS numa referência nacional”, afirma o também pediatra, diretor do do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), Presidente do Conselho de Representantes do ICBAS e membro do Senado da U.Porto.

Para Alberto Caldas Afonso, a Medicina foi “uma escolha óbvia, tendo a especialidade em pediatria surgido como opção mais tarde, “muito por influência do Professor Norberto Teixeira Santos, que desde sempre me motivou e envolveu no seu trabalho, levando-me a escolher este caminho”. Hoje, cabe-lhe a ele ajudar os futuros médicos do ICBAS a traçar o seu próprio caminho. Sempre com a crença de que são e serão sempre “competentes em qualquer lado”.

Foi também sob a liderança de Alberto  Caldas Afonso que o MIM do ICBAS passou a incorporar um conjunto de unidades curriculares que convidam os estudantes a explorar universos como os da música e da poesia. Até porque, acredita: “O papel do médico na sociedade atual deve incorporar na sua formação profissional, para além das competências técnico-científicas, uma visão holística que inclua ferramentas educacionais e que valorizem igualmente componentes sociais e humanísticas”.

Este ano a novidade é a nova Unidade Curricular de ‘Comunicação em Saúde’, a cargo do diretor-geral da Global Notícias, Domingos Amaral, e da jornalista da RTP, Paula Rebelo. Com esta nova disciplina “procuramos oferecer aos nossos estudantes a possibilidade de reforçarem algumas competências para além das técnicas. Valências que os tornem médicos excelentes na relação com o doente, mas também profissionais capazes de promover a Saúde fora do contexto hospitalar”, adianta Alberto Caldas Afonso.

– Naturalidade? Felgueiras

– Idade? 66 anos

– De que mais gosta na U.Porto?
Eu sou um filho da Universidade do Porto. Desde que entrei como aluno de medicina, em 1975, que sempre estive ligado à U.Porto, excetuando quando estive fora do país (5 anos em Paris e 1 ano nos EUA). De facto, esta é uma universidade que conheço bem, onde tenho assistido, com muito orgulho, ao caminho que tem feito no sentido da diferenciação nacional e internacional. Existe, atualmente, um enorme reconhecimento internacional, fruto da estratégia que tem vindo a ser implementada, especialmente nos últimos anos, o que nos tem colocado em lugares cimeiros e que me deixa muito orgulhoso.

– De que menos gosta na U.Porto?
Há, com certeza, pontos a melhorar e há oportunidades que têm que ser aproveitadas. Por exemplo, sempre houve um grande distanciamento entre as várias faculdades, que viviam muito fechadas em si mesmas, sem grande espaço para partilha. Cenário que tem vindo a mudar na reitoria e também no ICBAS. Somos todos UP e não podemos funcionar em lógica de tribo ou de adversários. Não somos adversários, todos fazemos parte de uma instituição que nos deve orgulhar, e seguramente que se criarmos sinergias e partilharmos o que cada um pode acrescentar o crescimento será ainda mais acelerado. É uma cultura de partilha e de mobilidade entre faculdades que deve existir. Por exemplo, nos EUA para subir na carreira as pessoas têm que passar por outra escola, aqui não, as pessoas nascem, vivem e morrem na mesma escola, existindo e sendo mesmo fomentada a ideia de traição, o que me parece muito errado. É na partilha que todos crescemos de forma próspera.

– Uma ideia para melhorar a U.Porto?
Apostar na internacionalização. É muito importante abrirmos a escola a estudantes de outros países que nos queiram procurar e, infelizmente, ainda há muitos constrangimentos nomeadamente na área da medicina. Uma das coisas que temos mais bem conseguidas na  União Europeia é, sem dúvida, o pograma ERASMUS, que transformou o paradigma da população europeia, o conhecimento de outros países, de outras culturas. Isto faz com que agora sejamos cidadãos da Europa e, portanto, a meu ver a questão da mobilidade é muito importante, sendo mesmo uma área estratégica.

– Como prefere passar os tempos livres?
Faço desporto, desde há quatro, cinco anos descobri o Padel. Mas também gosto muito de ler, nomeadamente, nas férias, e de estar com os amigos, que juntamente com a família são o que temos de mais importante na vida.

– Um livro preferido?
Eu diria dois livros que me são muito úteis: um é o clássico Guerra e Paz, do Tolstói, que, para quem lida com pessoas e com o sofrimento das pessoas, é uma obra que nos dá muitos ensinamentos. Poucos livros retratam como este a essência do homem e o seu papel na sociedade, o significado da vida, do amor, da felicidade e da própria morte. Depois outro que considero muito útil para quem tem responsabilidade de gerir pessoas é o Blink, focado na inteligência intuitiva da decisão, portanto um livro que me ajuda muito no meu dia a dia.

– Música preferida?
Gosto muito de jazz, particularmente Nina Simone.

– Prato preferido?
Não há muitos países onde se coma tão bem como em Portugal… e para mim o mais típico dos pratos portugueses, que eu adoro, é Arroz de Cabidela.

– Um filme preferido?
Há dois ou três que revejo com alguma frequência por razões distintas: ‘Voando Sobre Um Ninho de Cucos’, para mim a melhor interpretação do Jack Nicholson, que tem muito a ver com a nossa atividade e a saúde mental, aliás é um filme que aconselho muito aos alunos. E o outro que revisito muitas vezes é o ‘Filadélfia’.

– Uma viagem de sonho?
Eu tenho tido a felicidade e privilégio, fruto da minha atividade, de viajar muito. Sem dúvida que as viagens que mais me marcaram, pela sua história, foi o Egito e o Perú.

– Um objetivo por concretizar?
Os principais objetivos de vida sinto que estão concretizados e isso dá-me muita tranquilidade. Um é proporcionar à família, aos filhos, os ensinamentos que os meus pais me deixaram. Não é deixar bens materiais é dar-lhes conhecimento e proporcionar-lhes tudo para que possam fazer o seu percurso rico em conhecimento, e acho que isso consegui fazer. Depois, do ponto de vista profissional, pretendo assegurar que preparo a minha saída. Do meu ponto de vista, um bom diretor é aquele que prepara a sua continuidade escolhendo os melhores colaboradores para assegurarem o futuro. Portanto, quero, com tempo, encontrar as pessoas certas e envolvê-las no que estamos a fazer, na escola e no hospital, para que possam dar seguimento ao futuro. Escolher pessoas, prepará-las e dar-lhes condições para exercerem o seu papel e encontrar o seu caminho. São esses os meus objetivos e estou tranquilo porque penso que estão conseguidos.

– Uma inspiração?
Uma pessoa que foi muito determinante para o que eu sou hoje foi o meu pai, com quem tinha uma relação de muita proximidade. Portanto, tudo aquilo que fiz foi o que aprendi com ele e com o exemplo dele.

– Um projeto de vida?
Provavelmente não vai acontecer, mas, atendendo à minha costela brasileira, gostava de poder passar umas temporadas no Brasil, intercaladas com umas temporadas cá. Porque não troco o Porto por nada.

– Uma ideia para promover uma maior ligação entre a universidade e a comunidade?
É muito importante envolvermos a comunidade em que estamos inseridos e esse é o papel fundamental da Universidade. Devemos por isso promover essas relações e proximidades, aproveitando as estruturas associativas, as autarquias, o que nos rodeia.

– Como pediatra quais são os maiores desafios para as gerações vindouras?
Para as gerações vindouras e para o país é sem dúvida o equilibro da balança populacional. Estamos num processo de falência geracional, desde maio de 2015 a população abaixo dos 5 anos é menor da que está acima dos 65 anos. Portanto, estamos numa espiral de perda populacional. Para invertermos este cenário são precisos, no mínimo, 25 anos, tempo que levaria a fertilidade das mulheres portuguesas a passar de 1,2 filhos (valor atual) para 2,2. Por isto, como vê é preciso agir já. Nós como pediatras temos um papel muito importante a este nível, desde logo porque o potencial de qualquer país são as crianças e nós temos a responsabilidade de apoiar os pais no crescimento e desenvolvimento dos mais pequenos, temos a responsabilidade de trabalhar para que o potencial de desenvolvimento das crianças não seja afetado, promovendo a componente preventiva da medicina. Isto é de tal forma importante que digo muitas vezes aos meus alunos para se lembrarem que quando uma família vem com uma criança ao pediatra está a entregar o que de mais sagrado tem em casa, portanto, nós só temos que estar à altura de cuidar, tratar e de apoiar aquela família.