Monumentos vandalizados, tapados, ou até mesmo derrubados… Tudo isto são imagens que temos bem recentes na nossa memória. Mas pensar o património leva-nos muito mais além: a luta de galos ou a realização de touradas são também exemplos em que estas duas áreas entram em diálogo, ou, neste caso, em confronto. Património Cultural & Direitos Humanos é o nome da exposição que resulta de um projeto de doutoramento em Estudos Patrimoniais da Faculdade de Letras da Universidade Porto (FLUP). Inaugura dia 11 de março, pelas 17h00, na Casa Comum (à Reitoria) da U.Porto e terá ainda uma versão online, a disponibilizar naa plataforma da Google Arts & Culture PT.

Combater o dogma

Se na década de 1970 o conceito de património era entendido de uma forma restrita, mais dirigido monumentos e obras de arte, hoje inclui práticas e tradições. Abraça o imaterial e abrange questões sensíveis. Há monumentos que “glorificam o passado colonial e a expansão ultramarina”, diz-nos Inês Costa, sem fornecerem “uma narrativa completa em que demonstram não só o que foi benéfico para o país colonizador, mas também o que foi nocivo para as populações colonizadas”. É necessário “olhar o património como um conceito aberto, amplo, que deve ter em consideração os direitos humanos e as obrigações éticas do presente”.

A doutoranda em Estudos Patrimoniais da FLUP acrescenta que “um bem que seja contestado, que levante perspetivas diferentes (em relação a história, usos ou permanência ou possível destruição) deve ter uma abordagem holística que explore diversas perspetivas e não ser tratado como um dogma”.

Outros exemplos de práticas problemáticas são as touradas e a luta de galos (proibida no Brasil na década de 1960). Levantando “perspetivas diferentes, são questões a debater para tentar minimizar os danos causados tanto a pessoas como a animais”.

O potencial pacificador e sustentável do património

A pacificação de problemas como a desigualdade social e a discriminação com base na raça, etnia ou cultura também são também fenómenos que o património permite. Um dos casos de estudo da tese de Inês Costa é o Heritage for Peace. Trata-se de uma Organização Não Governamental (ONG) sediada em Barcelona, formada por pessoas de diversos países, nomeadamente da Síria, antigos refugiados, que organizam visitas guiadas em museus da Catalunha para pessoas que estão a chegar ao país e que falam maioritariamente árabe.

Para além de contextualizarem o património local, estas visitas permitem incluir e empoderar estas comunidades, combatendo a xenofobia e o discurso de ódio. Foi esta a forma que a organização encontrou para garantir o exercício de alguns direitos como o da participação na vida cultural do país de acolhimento, o acesso a serviços públicos e a possibilidade de partilha da própria cultura.

A exposição

Explorando a complexidade das relações entre Património Cultural e Direitos Humanos, a mostra reúne 14 fotografias captadas em diferentes países (Portugal, Alemanha, Brasil, Timor, Roménia, Marrocos), ao longo dos anos 2000, que revelam modos de vida, práticas, tradições e saberes.

Um dos casos em que o património valoriza materiais e técnicas tradicionais que ajudam a preservar os habitats e a combater as alterações climáticas é o exemplo dos Campos Gali, na Alemanha, onde se está a construir um mosteiro seguindo práticas do seculo IX.

Em suma, explorando pontos de contacto e de tensão entre Património e Direitos Humanos, a exposição convida a questionar direitos, liberdades e deveres associados ao usufruto do Património Cultural. É uma relação que “tem impacto no nosso dia-a-dia”, diz-nos Inês Costa. Cabe a cada um perceber “como contribuir para a defesa do património e dos direitos humanos e que instrumentos pode usar para defender direitos e liberdades fundamentais”.

A exposição reúne 14 fotografias captadas em diferentes países ao longo dos anos 2000. (Foto: DR)

A exposição pode ser visitada até 6 de abril de 2023, na Casa Comum.

Património Cultural & Direitos Humanos terá ainda uma versão online, a disponibilizar na plataforma da Google Arts & Culture PT.

A mesa redonda

A inauguração será acompanhada de uma mesa redonda, durante a qual se irão debater problemáticas como sustentabilidade, desenvolvimento e legislação internacional.Vão estar presentes Elena-Maria Cautis (Doutoranda em Sustentabilidade Ambiental e Bem-Estar na UFerrara), Carlos Burgos Tartera (Mestre em Turismo Cultural pela UGirona), William Long (Mestre em Direito pela UOxford) e Miruna Gãman (Doutoranda no curso de Espaço, Imagem, Texto e Território na UBucareste).

Património Cultural & Direitos Humanos resulta de uma colaboração entre a FLUP (através do projeto de Doutoramento em Estudos Patrimoniais de Inês de Carvalho Costa, intitulado Património Cultural e Direitos Humanos: Experiências Ibero-Americanas (anos 2000), orientado por Maria Leonor Botelho (CITCEM-FLUP) e Rodrigo Christofoletti (UFJF, Brasil), o Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, e a rede internacional HeritaGeeks. O projeto de doutoramento é financiado pela República Portuguesa, pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2021.07318.BD) e pelo Fundo Social Europeu.