A Casa-Atelier José Marques da Silva prepara-se para abrir as portas para uma nova exposição já a partir do próximo dia 24 de abril. Desenvolvida com o apoio da família, O desenho da vida na obra de Manuel Marques de Aguiar abrange um arco temporal que tem início na década de 1950, em Paris, e que se prolonga até aos primeiros anos do século XXI.

No contexto da produção arquitetónica e urbana nacional, O desenho da vida na obra de Manuel Marques de Aguiar levanta o véu ao contributo singular deste aluno que entrou no curso de arquitetura da Escola de Belas Artes do Porto – precursora das atuais faculdades de Arquitectura (FAUP) e de Belas Artes (FBAUP) da Universidade do Porto – em 1943 e se diplomou em urbanismo pelo Institut d’Urbanisme de Paris, em 1954, (três bien) e em arquitetura pela mesma Escola de Belas Artes do Porto, em 1955, com nada menos que 20 valores.

Lançava mão de um guardanapo se necessário fosse. Estivesse num café, num parque, ou num espaço de maior recolhimento, o importante era responder à urgência daquele traço. Simplificar a complexidade do real através do desenho. “O que, por si, é já um exercício de síntese”, diz-nos David Leite Viana, curador da exposição

Das pontes às praias, dos jardins às mesas de café, das praças e mercados às avenidas, esta é uma exposição que, através do desenho, nos devolve a filigrana do olhar de Manuel Marques de Aguiar.

O desenho como ferramenta de aprendizagem

O desenho da vida na obra de Manuel Marques de Aguiar denuncia o traço de um arquiteto e urbanista que, entre tantas outras obras, desenhou a Escola Francesa do Porto, definiu estratégias para o ordenamento da região norte, planeou a imagem urbana de Espinho e pensou a reconstrução de Angra do Heroísmo, após o terramoto de 1980.

As salas da Casa-Atelier José Marques da Silva levam-nos a fazer um percurso por diferentes núcleos temáticos: Nós (o olhar fotográfico); Quotidiano (o desenho da vida a acontecer); Conhecimento (da formação à prática da arquitetura e do planeamento urbano); Caligrafia (a fluidez do traço); Partilhas (as viagens; as orlas fluviais e marítimas; a atenção ao outro; a linha de mar).

Escola Francesa do Porto. (Foto: DR)

Ao longo destes cinco núcleos temáticos, a exposição revela projetos, desenhos e memórias de um processo de pesquisa com vista à transformação do espaço. Devolve uma determinada forma de olhar e apreender a vida, com os seus ambientes e quotidianos.

“São desenhos de vivências, de momentos do quotidiano, de um olhar sobre o dia-a-dia nessa relação, nesse diálogo entre o corpo e o espaço”, esclarece David Leite Viana.

“O desenho, em Manuel Marques de Aguiar, era uma ferramenta de aprendizagem”, uma forma de melhor “compreender o mundo”, uma prática que, por si, “já obriga a um exercício de síntese”, conclui o curador.

A história que está por contar

Ao refletir a vivência humana e as diferentes formas de a promover no espaço, Marques de Aguiar constrói lugares em que ao pensamento crítico associa um entendimento da construção colaborativa do território.

A “escala urbana” na obra de Manuel Marques de Aguiar é reflexo da aprendizagem que fez em Paris, acrescenta David Leite Viana, mas a obra do arquiteto e urbanista em território nacional demonstrou uma eficaz capacidade de adaptação dessa formação francesa àquela que era “a realidade, as condições e as necessidades do país” à época.

O curador identifica na obra de Manuel Marques de Aguiar a introdução, à escala urbana, de toda uma nova “consciência de lugar”, uma dimensão de “vivência do espaço” e de “humanização dos processos de arquitetura” que importa sublinhar, mas que representa ainda mais do que isso. “Há uma história por fazer em relação ao Porto: a história de uma dimensão coletiva da arquitetura. Houve “uma construção moderna que foi sustentada por arquitetos que desenvolveram um trabalho muito relevante para a história da arquitetura urbana.” E esta exposição vem, também, contribuir para colmatar essa lacuna na história da arquitetura urbana.

Marques de Aguiar desenvolveu a tese final do curso de urbanismo sob a orientação de Robert Auzelle e, em 1955, consegue trazer o arquiteto e urbanista francês para o curso de Verão da Escola de Belas Artes do Porto, promovendo ainda a sua contratação, junto do presidente da Câmara J. Machado Vaz, para “resolver o problema das ilhas”. É a este urbanista francês, que completa o “Plano Diretor da Cidade do Porto”, que se associa uma transformação da cidade do Porto na transição para a década de 1960.

O salto para os Açores

Manuel Marques de Aguiar (1927-2015) integrou, desde 1956, os Serviços de Urbanização da região norte e, entre 1962 e 1996, torna-se consultor de urbanismo da Câmara Municipal de Espinho.

Procurou criar espaços de convivência e encontro em vários projetos como foi o caso da galeria do prédio de Gonçalo Cristóvão e do gaveto com a rua do Bonjardim (Edifícios “Figueiredo” e ”Lar Familiar”, 1957-1968), mas também nas escolas Francesa (1959) e de Montalegre (1965), e no Mercado de Montalegre (1964).

Há também uma componente experimental, essencialmente moderna, e uma forte ligação ao lugar em projetos de menor dimensão como é o caso da Casa Redonda nas Carvalhas, das propostas para o equipamento turístico das Caldas de Aregos, assim como em algumas peças de arquitetura religiosa.

Rua 19 – Cidade de Espinho. (Foto: DR)

Nos Açores, após o terramoto de 1980, Marques de Aguiar coordenou a equipa da Direção Geral de Ordenamento do Plano de reconstrução de Angra do Heroísmo, com a autoria dos 3 planos de pormenor (“Plano de Pormenor da Carreirinha” ; “Plano de Pormenor da Silveira-Fanal” e ” Plano de Pormenor do Desterro-Guarita”, 1982).

O arquiteto e urbanista colaborou com os trabalhos desenvolvidos nas orlas costeiras do Porto e Matosinhos, mantendo sempre o escritório situado no Porto: inicialmente na praça do Município, posteriormente na rua Sá da Bandeira, Gonçalo Cristóvão e, por fim, no Foco.

Planta – Angra do Heroísmo. (Foto: DR)

O desenho da vida na obra de Manuel Marques de Aguiar

É muito pelo desenho, sempre com um olhar sobre o outro, que se faz a construção da memória deste arquiteto e urbanista que pensava os lugares como espaços vivos, feitos de convivência e afeto. O desenho da vida na obra de Manuel Marques de Aguiar é a primeira exposição realizada após a doação do acervo de Manuel Marques de Aguiar à Fundação Marques da Silva

Pelos projetos de arquitetura e urbanismo, mas também pelas fotografias e pelos desenhos do quotidiano, percebemos que é sempre sobre espaços de partilha que Manuel Marques de Aguiar trabalha.

 

São as figuras amorenadas de sol e salitre, dos desenhos de praia e de mar, que fazem as honras da casa e nos acompanham até à porta de saída. É já de costas voltadas para esta Casa-Atelier Marques da Silva que nos assaltam dois poemas (um é consolo e o outro inquietação). O primeiro poema tem travo a maresia. Enquanto descemos a escadaria que nos leva de volta ao jardim lembramos é o mar de Sophia (de Mello Breyner Andresen) e a sua promessa de lá voltar “para buscar os instantes” que faltou viver. A mesma que, num outro poema, a que chamou 25 de Abril,  fala de “uma madrugada” pela qual “esperava” e de onde “emergimos da noite e do silêncio”. Talvez não seja necessário esperar por uma revolução para que a história desta dimensão coletiva da arquitetura se possa contar.

Patente até 30 de setembro de 2021, a exposição pode ser visitada de segunda a sexta das 14h00 às 18h00. Aos sábados, e enquanto se mantiverem as atuais restrições, as portas da FIMS estarão abertas das 10h00 às 12h30.

O bilhete de entrada varia entre os 3 euros (geral) e 1,50 euros (jovens, estudantes e seniores). Este sábado, dia da inauguração, a entrada é livre.