São dois os novos tratamentos que demonstraram ter um impacto positivo no tratamento da insuficiência cardíaca, reduzindo a mortalidade e os internamentos, e melhorando os sintomas e a qualidade de vida dos doentes. Os resultados foram apurados no decorrer de ensaios clínicos realizados a nível internacional, com a colaboração de uma equipa de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), do CINTESIS e do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).

O primeiro tratamento diz respeito à utilização de ARNis – inibidores de neprisilina e dos recetores da angiotensina. O nome assusta, mas trata-se de um grupo de medicamentos já conhecido.

A eficácia da utilização deste tipo de medicamentos na insuficiência cardíaca, foi aferida num ensaio clínico designado por PARADIGM-HF (Prospective Comparison of ARNI [Angiotensin Receptor–Neprilysin Inhibitor] with ACEI [Angiotensin-Converting–Enzyme Inhibitor] to Determine Impact on Global Mortality and Morbidity in Heart Failure Trial), que comparou a ação dos ARNis com um dos medicamentos convencionalmente utilizados nestes doentes.

O estudo incluiu 8.442 pacientes com mais de 18 anos (média de idade de 64 anos). Todos sofriam de insuficiência cardíaca e o tempo médio de seguimento foi de 27 meses.

Resultados promissores

Os resultados do ensaio foram significativos. “Os ARNis mostraram-se superiores ao medicamento convencional, reduzindo o risco de morte cardiovascular ou hospitalizações por insuficiência cardíaca em 20%”, afirma José Silva Cardoso, cardiologista e investigador da FMUP, responsável pela coordenação da parte do ensaio que decorreu em Portugal. Cabe agora aos médicos especialistas inteirarem-se sobre as vantagens da utilização desta terapêutica para a aplicarem adequadamente aos seus pacientes.

Outros estudos, como o DAPA-HF e o EMPEROR-Reduced, avaliaram a eficácia de outro medicamento na redução da mortalidade e hospitalizações nesta patologia, que todos os anos mata duas a três vezes mais pessoas em Portugal do que o cancro da mama ou do cólon. Esta classe de medicamentos era já conhecida e usada no tratamento de pacientes diabéticos (os inibidores do cotransportador sódio-glicose).

Os resultados destes estudos foram publicados no New England Journal of Medicine durante o último ano e debatidos também no último Congresso Europeu da Cardiologia em agosto, assim como noutros meios especializados. “Percebemos que estes medicamentos reduzem a mortalidade e os internamentos por insuficiência cardíaca”, podendo ser utilizados com sucesso no seu tratamento, mesmo quando o paciente não tem um quadro clínico de diabetes, explica José Silva Cardoso.

A equipa da FMUP e do Serviço de Cardiologia do CHUSJ participou também em ensaios clínicos dedicados ao estudo da eficácia destes fármacos sobre a capacidade funcional dos doentes com Insuficiência Cardíaca – os Ensaios EMPERIAL-Reduced e EMPERIAL-Preserved. Estes resultados estão ainda em publicação.

Há ainda muito a fazer”

Até aos anos 80 do século passado, 75% dos pacientes com insuficiência cardíaca morriam no espaço de cinco anos após os primeiros sintomas, que consistem habitualmente de queixas de falta de ar, cansaço e/ou edemas (pés inchados).  Nas últimas décadas, registaram-se progressos assinaláveis que permitiram reduzir esta taxa para 50%. “Ainda é muito pouco! Há ainda muito a fazer”, sublinha o investigador português.

É por isso que as novas terapêuticas o entusiasmam. “Os resultados destas investigações mostram-nos que há outros caminhos que devemos explorar na prática clínica, para benefício dos doentes”.

Mas há também outros medicamentos novos a incluir na estratégia terapêutica para a Insuficiência Cardíaca, especialmente na Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Reduzida, cujos estudos recentes têm mostrado resultados promissores. Exemplo disso são os fixadores de potássio, os estimuladores do GMP cíclico, a estratégia de bloqueio sequencial no nefrónio e os ativadores da miosina. Nomes complicados para nomear diferentes soluções e abordagens para o mesmo problema.

Os fixadores de potássio, por exemplo, podem ser úteis para controlar os elevados níveis de potássio que resultam da toma dos medicamentos que tratam a doença. Ao controlar este efeito indesejado, a dose dos medicamentos que tratam a insuficiência cardíaca pode ser otimizada, com impacto favorável nos sintomas e prognóstico dos doentes.

Mais de 400 mil doentes em Portugal

“A investigação científica nesta área não pode parar. Estamos a falar de uma doença que atinge em Portugal mais de 400 mil pessoas, sendo fortemente incapacitante e causando uma grande deterioração da qualidade de vida. É a primeira causa de internamentos acima dos 65 anos”, explica José Silva Cardoso. Adicionalmente, em Portugal, esta patologia representa 3,4% dos custos anuais em saúde.

Estes novos tratamentos e os resultados da investigação mais recente sobre insuficiência cardíaca vão ser apresentados aos médicos portugueses e discutidos em detalhe, entre os dias 18 e 19 de setembro, no âmbito das reuniões científicas anuais “Advances in Heart Failure”. organizada pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

A reunião deste ano contará com mais de quarenta peritos em insuficiência cardíaca nacionais e internacionais e decorrerá online.