Ir para além da pele que nos impede de ver. Espreitar o avesso. Olhar pela frincha para dentro de nós. E, pelo caminho, prestar homenagem ao Método Tano – Férrico celebrizado pelo médico que foi também professor, investigador e artista. O convite parte da artista Martinha Maia e traduz-se em Anatemnõ, título da exposição que vai estar patente de 19 de fevereiro a 16 de abril, na Casa-Museu Abel Salazar, no âmbito do ciclo O desenho contemporâneo em diálogo com a obra de Abel Salazar.

Anatemnõ é uma palavra que não existe em português. É um conceito grego que Martinha Maia foi buscar para dar uma ideia de pele densa e espessa que é preciso atravessar para perceber, afinal, de que material somos feitos. Para nos lembrar este jogo entre o visível e o invisível que o (nos) acompanha. O exterior que se impõem, naturalmente, e o (ausente, mas presente) interior que nos constitui. É, de resto, entre estes paradoxos que Martinha Maia tem trabalhado.

Composta por cerca de 30 trabalhos que recorrem a carvão, grafite, linho, sisal, chá e leite de soja, inspirados nos desenhos científicos de Abel Salazar, Anatemnõ é também uma forma de homenagear o trabalho de observação e o processo de investigação do histórico professor da Universidade do Porto. Como? Já lá vamos!

S/ Título. Martinha Maia. Exposição Anatemnõ

A analogia com Abel Salazar

Graças à capacidade de coloração, pelo uso do ferro, o Método Tano – Férrico de Abel Salazar, que identificava e corava proteínas, veio permitir a caracterização de processos de degenerescência. Permitiu discernir, ou por outras palavras, tornar visível o modo como os folículos ováricos de várias categorias degeneravam ou evoluíam. Ora, em vez do ferro, Martinha Maia recorreu ao chá. Para além de materiais como o carvão e o grafite, a artista trabalhou com materiais como leite de soja e o chá.

Passamos a explicar: Derramado no papel, o leite de soja fica invisível quando seca. Como tornamos, então, este liquido visível? Recorrendo ao pigmento do chá. Em contacto com este elemento, o leite de soja, aplicado previamente, torna-se, assim, visível. No processo artístico de Martinha Maia é o chá, em vez do ferro, o elemento que denuncia a informação que estava oculta. Esta é, diz-nos a artista “uma espécie de analogia ao método de trabalho utilizado por Abel Salazar”.

Familiarizada com a obra de Abel Salazar e com o trabalho artístico de Martinha Maia está Inês Nunes. A investigadora do CINTESIS e Professora Auxiliar do ICBAS recorda que “Abel Salazar dissecou ao pormenor a anatomia humana e registou-a em textos e desenhos, numa tentativa concreta de compreender intimamente o seu funcionamento, abrindo caminhos para novas questões conducentes a trabalhos de investigação pioneiros em diversas áreas do conhecimento médico”.

A ginecologista obstetra, que também acompanhou Martinha Maia na gravidez e no parto, afirma que a artista reinterpretou a obra de Abel Salazar devolvendo-a “a cada um de nós em desenhos repletos de movimento que nos provocam e convidam a parar e a ficar para descobrir o que em cada um (de nós?) podemos encontrar”. A investigadora acrescenta que, ao mesmo tempo, os desenhos “encerram e abrem, contêm e libertam, ocultam e revelam o nosso imaginário!”

Sobre Martinha Maia

Martinha Maia vive e trabalha no Porto. Nasceu em São Mamede do Coronado (freguesia da Trofa) em 1976. Licenciou-se em Artes Plásticas na ESAD das Caldas da Rainha e tem vindo a trabalhar nas áreas da performance, vídeo, instalação e desenho. É de sua autoria a fachada do Teatro Carlos Alberto, no Porto.

Ao longo do seu percurso artístico participou em inúmeras exposições a nível nacional e internacional tais como: 30 artists under 40, Stenersen Museum, Oslo, 2004; j´en rêve, Foundation Cartier pour l’art Contemporain, Paris, 2005; Sobre Barroco, Casa de Velázquez, Madrid, 2007; Muyethlek, Museu de Arte Maputo, Maputo, 2008; 30 anos dos CAM, Ciclos de performance, CAM, Lisboa, 2013; Coleópteros, Museu Nacional Soares dos Reis, Porto, 2019; Bienal Internacional de linho de Portneuf, Quebec, Canadá, 2021, entre outras.

O ciclo

Esta é a sétima, e última exposição do ciclo O desenho contemporâneo em diálogo com a obra de Abel Salazar, iniciado em fevereiro de 2020. Sílvia Simões, professora da Faculdade de Belas Artes da U.Porto (FBAUP) e curadora do ciclo, pretende assim colocar a obra artística do antigo investigador e professor da Universidade do Porto, numa relação dialógica com o trabalho de artistas contemporâneos, salientando a relevância dos desenhos na atualidade.

Com entrada gratuita, Anatemnõ pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 13h00 e das 14h30 às 18h00. Aos sábados, abre portas das 14h30 às 17h30. Encerra aos domingos e feriados.