Um Mestrado integrado em Engenharia Eletrotécnica, um doutoramento em Sistemas de Energia na FEUP e uma investigação promissora no INESC TEC… Miguel Heleno levava 10 anos de conquistas na Universidade do Porto quando, em 2015, e com 28 anos de vida, decidiu atravessar o Atlântico até à Califórnia.
A experiência Erasmus, o doutoramento, no âmbito de um protocolo com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e os projetos europeus em que teve oportunidade de trabalhar no INESC TEC foram fatores que o levaram a tomar a decisão de emigrar.
Pensou que era provisório, mas ainda lá está, em Berkeley, cidade que adjetiva como “um fenómeno raro de aldeia internacional”, onde é investigador contratado no prestigiado Lawrence Berkeley National Lab, um laboratório do departamento de energia do governo norte-americano.
– Como surgiu a oportunidade de ir para Berkeley?
Estávamos no final de 2015. Tinha entregado a minha tese de doutoramento no verão e estava à espera da defesa. Quando comecei a pensar no que fazer a seguir, surgiu a proposta de um postdoc no Lawrence Berkeley Lab, na Califórnia. A princípio era um contrato de 18 meses, achei que seria uma coisa temporária, mas, entretanto, fui ficando, agora com um contrato de carreira, e já lá vão 5 anos…
– O que te motivou a ir para fora?
Naquela altura levava 10 anos na Universidade do Porto: fiz o mestrado integrado e o doutoramento na FEUP, trabalhei no INESC TEC, que é uma instituição de excelência a nível europeu, e aprendi imenso com toda a gente. Mas, principalmente para quem trabalha na área de energia, onde os desafios são cada vez mais globais, é importante perceber como funciona a investigação e o sector noutros locais do mundo. Mudar-me para a Califórnia fez todo o sentido para mim. É daquelas coisas que ou fazes com 28 anos, ou dificilmente fazes mais tarde.
– De que forma a Universidade do Porto teve impacto neste processo?
A U.Porto está cada vez mais internacional e, no meu percurso entre 2005 e 2015, beneficiei muito dessa internacionalização. O programa Erasmus, por exemplo, permitiu-me estudar um semestre em Praga, conhecer outras culturas europeias, e despertou em mim uma curiosidade internacional que não tinha antes. O meu doutoramento, feito no âmbito do protocolo com o MIT, bem como os projetos europeus em que trabalhei no INESC TEC, permitiram-me colaborar com investigadores de todo o lado do mundo. Isso deu-me muito conforto na hora de tomar a decisão para ir para Berkeley. E não teria sido possível sem a U.Porto.
– Como foi a adaptação?
Acho que em Portugal ainda existe uma visão cor-de-rosa sobre a emigração, quando na realidade a experiência é um pouco mais complexa. A emigração nunca é fácil, principalmente quando é para fora da Europa, onde estás a uma distância de 15 horas de avião da família e dos amigos, enfrentas problemas burocráticos (como os vistos, por exemplo), diferenças na cultura de trabalho e nas dinâmicas sociais. No meu caso, tive algumas facilidades por fazer parte de uma nova vaga de emigração qualificada, de ter ido para um sítio muito internacional e de encontrar um pequeno grupo de amigos que me acolheu muito bem. Mas, acima de tudo, passei a ter muito mais respeito pelas pessoas que emigram em condições mais desfavoráveis.
– O que é que gostas mais na cidade. E menos?
Berkeley é um fenómeno raro de aldeia internacional. Consegue ser um sítio calmo, onde há muito comércio local e muita presença da natureza. Ao mesmo tempo tem estudantes e investigadores de todo o lado do mundo, tem São Francisco e o Silicon Valley do outro lado da baía, e uma diversidade cultural imensa, com muita presença de comunidades latino-americanas e asiáticas.
Este ambiente de dinâmica económica, cultural e de mobilidade tem a desvantagem de as pessoas não ficarem muito tempo. Por haver muitos estudantes, investigadores visitantes, por ser uma cidade cara em que é difícil constituir família, há sempre um carácter temporário na zona da Baía de São Francisco que dificulta a construção de relações interpessoais mais profundas.
– Um conselho para quem visita Berkeley/California?
Acho que em Portugal temos uma ideia dos Estados Unidos muito baseada na costa este e em cidades com Nova Iorque, Boston ou Chicago. Em geral quando se fala na costa oeste e na Califórnia, as pessoas associam imediatamente a Los Angeles. Na minha opinião, Los Angeles é talvez o sítio com menos interesse. Se visitarem a Califórnia, não deixem de ir aos parques nacionais, como o Yosemite, o Death Valley, o Joshua Tree, o Lassen ou o Sequoia National Park. Vão certamente ver paisagens arrepiantes e conhecer uma parte dos Estados Unidos que não é muito conhecida no mainstream europeu. Vale também a pena percorrer a estrada costeira de norte a sul, beber um vinho no Napa Valley ou em Paso Robles, visitar cidades como São Francisco, Monterey, Santa Barbara e San Diego.
– Do que é que sentes mais falta em Portugal?
Família e amigos, principalmente. Sinto também falta de algumas coisas bem características da cidade do Porto, como as ruas, os tascos, os cafés, os teatros, as peixeiras no autocarro, etc. A cada vez que vou a Portugal, noto que uma parte disso está a desaparecer e que não voltará mais. Mas há outra parte que teima em manter-se. Sinto falta dessa resiliência que o Porto tem.
– Pensas voltar para Portugal?
Sem dúvida. Falta saber como e quando, mas adoraria voltar.