Foi a oportunidade de fazer o doutoramento na melhor universidade da Flórida que, há quase oito anos, levou Cátia Silva a dar o salto para os Estados Unidos. Para trás ficou um percurso inteiramente ligado à Universidade do Porto. Primeiro em Ciências, onde estudou Matemática, depois em Engenharia, onde concluiu mestrado em Engenharia Biomédica. Ainda fez investigação no INESC TEC, até receber a chamada do outro lado do Atlântico…

Na Universidade da Flórida desde 2013, foi ali que se doutorou em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e é agora professora no Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores.

A envolvente académica está também fortemente marcada em Gainesville, a cidade multicultural onde Cátia Silva vive e à qual diz já se ter adaptado. Mas apesar de admitir que a estadia nos EUA lhe tem dado experiências pessoais e oportunidades profissionais muito enriquecedoras, não nega a possibilidade de voltar para Portugal.

 – Como surgiu a oportunidade de ir para a Flórida?

Estávamos no final de 2012, tinha defendido a minha tese de mestrado em engenharia biomédica em outubro e já estava a trabalhar como investigadora no Centro de Sistemas de Energia do INESC TEC há cerca de seis meses. Estava a desenvolver modelos de redes neurais artificiais com estratégias de teoria de informação para otimizar a deteção automática de falhas em redes de energia. Surgiu a oportunidade de consultar o nosso trabalho com o professor José Príncipe, um dos pioneiros da teoria da informação e professor distinguido da Universidade da Flórida. Na altura, eu já estava a considerar fazer doutoramento, mas ainda não tinha decidido o tópico de investigação. Depois de conversas com o José e, na altura, o meu orientador Vladimiro Miranda, escrevemos uma proposta de doutoramento e enviamos uma candidatura de bolsa individual de doutoramento para a FCT. A proposta foi aceite e nos primeiros meses de 2013 preparei a documentação necessária e continuei o meu trabalho de investigação científica. Em agosto de 2013, cheguei a Gainesville, na Flórida, e comecei o meu doutoramento na Universidade da Flórida.

– O que a motivou a ir para fora?

Acima de tudo a oportunidade de obter o meu doutoramento com apoio financeiro da FCT, com um orientador tão distinguido como o José Príncipe, na melhor universidade da Flórida e distinguida internacionalmente e a oportunidade de conhecer uma cultura nova.

– De que forma a Universidade do Porto teve impacto neste processo?

A Universidade do Porto teve um impacto enorme no meu desenvolvimento intelectual, profissional e pessoal. Além do que a experiência de estudante universitário oferece, ainda mais quando se é primeira geração a frequentar uma universidade, o que é o meu caso, eu tive oportunidade de conhecer pessoas de vários países europeus durante a minha licenciatura, colaborar com profissionais de saúde do Hospital Pedro Hispano durante o meu mestrado e colaborar com investigadores internacionais no âmbito do meu projeto no INESC TEC. A facilidade de encontrar oportunidades de colaboração na U.Porto está ao alcance de quem quer.

– Como foi a adaptação?

O primeiro impacto com o processo burocrático é extenuante, não só em modo preparatório ainda na zona de conforto (Portugal) mas também quando lá se chega, especialmente quando se viaja para fora da Europa.

Para mim, só foi evidente que estava a passar por um choque cultural depois de cinco meses de trabalho, quando voltei a Portugal para celebrar as festas de final de ano com a família. No entanto, eu conheci pessoas fantásticas, formei amizades com pessoas de vários continentes, com culturas diferentes, com experiências de vida que enriquecem. É uma experiência que faz bem e proporciona autoconhecimento. Por exemplo, quando me mudei para Gainesville, tive a sorte de encontrar uma amiga numa das minhas companheiras de casa. Aprendi algumas palavras e expressões em Urdu. No segundo mês de lá estarmos, ela convidou-me a participar numa festa de jantar dos paquistaneses em Gainesville. Estávamos sentados em roda em tapetes finos e típicos do Paquistão, o jantar estava pronto e no final pediram-me para partilhar uma frase ou palavra única da língua portuguesa. Comovidamente, eu escolhi a palavra saudade.

Além de experiências pessoais, os Estados Unidos oferecem imensas oportunidades profissionais. Durante o meu doutoramento, eu tive oportunidade de colaborar com investigadores nas engenharias e diversas outras disciplinas como neurocientistas, psicólogos e educadores; fiz parte de um laboratório com mentes curiosas e trabalhos de investigação emergentes. E, também durante o meu doutoramento, fui instrutora de um curso de machine learning.

– O que é que gosta mais na cidade. E menos?

A cidade de Gainesville é uma cidade universitária. Durante o Outono e Primavera, há uma energia enorme em toda a cidade, sempre com pessoas novas. No Verão*, como não há tantos alunos a tirarem aulas durante esse semestre, a cidade apazigua. Claro que fora dos arredores do campus universitário esta diferença não é tão notória. O espaço multicultural em Gainesville reflete-se na cultura gastronómica e no meio artístico.

Além disso, Gainesville está rodeada de cidades rurais, o que quer dizer que tem imensos espaços verdes que eu tiro proveito sempre que posso. Trilhas de caminhada, nascentes de água com cavernas só alcançáveis de mergulho, trilhas naturais com jacarés e outros animais comuns na Flórida, imensas fazendas de colheita pública de frutos da época como mirtilos, e muito mais.

* Nota: Repare como eu deixei o Inverno de fora. Foi intencional.

La-Chua-Sink, Gainesville.

– Um conselho para quem visita a Flórida?

Se vier na altura do Verão para a costa oeste do Golfo do México, prepare-se para furacões e tempestades ocasionais. Não fique só em Orlando, visite pelo menos uma praia no golfo do méxico, Siesta Key em Sarasota é uma das minhas preferidas, onde a temperatura da água atinge os 30ºC. O arquipélago das ilhas da Flórida são de tirar o fôlego e o mais perto fica apenas a uma hora de distância de Miami. Vá visitar Cape Canaveral, a cidade onde foguetes são lançados para o espaço, pode escolher ir quando haja lançamentos e com sorte até conhecer astronautas. Se quiser conhecer cidades históricas, recomendo que visite Saint Augustine, uma das cidades mais antigas do EUA continental. Sente-se numa esplanada com vista para o Atlântico a apreciar uma fatia de torta de limão.

– Do que é que sente mais falta em Portugal?

Principalmente da família e amigos, mas também do conforto da gastronomia portuguesa e caminhadas pelas ruas do Porto.

– Pensa voltar para Portugal?

Gostaria imenso de voltar a Portugal e poder contribuir para o sistema de ensino superior na minha área de especialidade. Quando a oportunidade surgir, será considerada com enorme brio.