Vamos descobrir novas geografias, físicas e mentais, pelo olhar de quem já lá esteve? Albuquerque Mendes, a dupla Daniel Moreira-Rita Castro Neves, Clara Saracho, Claudia Bakker Doctors, Ana Pissarra… A Casa-Museu Abel Salazar apresenta uma exposição que integra obras de artistas contemporâneo/as, nas quais é manifesto o ato de viajar e as consequências que daqui resultam na construção de um percurso existencial e artístico. O permanecer no local, apreender a realidade circundante e construir novas cartografias do ser. Mas há mais por descobrir, a partir de 3 de dezembro, na exposição Musas em Ação nas Viagens, no contexto do seminário  Musas em Ação 3.

Também se constrói por dentro com o que se vê por fora

Já desde o filósofo Ortega y Gasset que nos habituamos a pensar no contexto como parte do que somos. Neste perpétuo movimento do que nos rodeia, e na porosidade à mudança que nos caracteriza, assistimos à forma como reagimos e à transformação do que somos. Mantendo a curiosidade ativa, é eterna a aprendizagem. Que papel desempenham as viagens, nisto de sabermos quem somos? Sejam elas físicas e territoriais, ou mentais. Interiores. Ou ambas.

“Abel Salazar viajou de inúmeras maneiras” diz-nos Fátima Lambert, curadora da exposição. E deixou-nos registos. Um deles foi o caso da sua estadia em França, da qual resultou o livro Paris em 1934.  Porquê, agora, este foco nas viagens? Porque “dinamizam ideias, subvertem estereótipos e promovem a condição humanista”.

Quer o registo das viagens de Abel Salazar, quer o das mulheres suas contemporâneas deixam um rasto no nosso imaginário e é esse “fio de Ariadne” que vamos seguir até “se fazer luz”. Musas em Ação nas Viagens convoca um grupo de artistas para quem o impulso de viajar é uma “consignação maior”.

Fátima Lambert acrescenta que as aventuras começam pelo “desenho de ideias que, dificilmente se contentam sozinhas e alheias do mundo exterior, no anseio de propiciarem expedições libertadoras a quem as receba: o público, espetadores e leitores”. É, precisamente, entre as viagens que empreendemos fisicamente e as que acontecem internamente, que a obra acontece.

Por outro lado, em Abel Salazar, as impressões que deixou estão “impregnadas pelo elogio da condição feminina”, captando tempos de “mudanças societária – ainda que minimizadas e quase-apagadas num panorama mais global”. Embora careça de investigação e divulgação, as “Musas viajantes, das primeiras décadas do séc. XX, subsistem em estratos culturais e académicos”, sublinha a curadora.

“Laking and Seaing” é um ponto de encontro entre dois artistas – Daniel Moreira e Rita Castro Neves – que em conjunto refletem com e sobre imagem e paisagem.

Dois núcleos para desvendar

A exposição está dividida em dois núcleos, sendo que o primeiro nos remete para o atelier-escola de Artur Loureiro (1901/1932), que ficava no rés-do-chão do extinto Palácio de Cristal.

Como explica a curadora, frequentavam o espaço “jovens meninas da cidade, com aspirações artísticas ou porque tais aprendizagens traduziam (exigências) modelos educacionais” que se enquadravam num determinado “posicionamento intelectual expectável”. Fátima Lambert teve conhecimento, desde muito jovem, dessa realidade, já que uma dessas jovens era a própria mãe, cujas obras foram expostas “na 18ª exposição de 1931”. As pesquisas ajudaram a identificar outras jovens cuja produção, de resto, esteve já presente na exposição que a CMAS apresentou entre julho e final de setembro 2022.

O projeto expositivo integra investigadores de diferentes unidades portuguesas, brasileiras e espanholas. “As Musas em ação existiram, agiram e foram apagadas por condições societárias específicas”, sublinha a curadora.

O segundo núcleo expõe obras de artistas contemporâneo onde é manifesta a ação e o pensamento das viagens. São “permanências em distintas geografias, por vezes, vaivéns compulsivos e felizes”. É o caso de Albuquerque Mendes e o Brasil; da dupla Daniel Moreira-Rita Castro Neves e respetivas residências artísticas também no Brasil, na Escandinávia e no Japão”; de Clara Saracho que residiu em Paris e percorreu territórios como o Japão e China; Claudia Bakker Doctors, artista do Rio de Janeiro que vive em Portugal, com nostalgia pelo Brasil e, por fim, Ana Pissarra, produtora e investigadora de cinema, que na produção artística integra viagens em territórios como a Amazónia e a Mauritânia.

Serão estas “viagens invisíveis”, antecipa Fátima Lambert, que se vão alinhar perante o olhar do visitante, fazendo emergir, na obra literária de Abel Salazar, os livros que nos devolvem as suas “impressões de viagens a Itália, pelo Minho ou na Paris de 1934! Vêem-se, conhecem-se viagens plurais, onde se destaca o dinamismo de Musas em Ação – a solo e acompanhadas – nas Viagens…”.

Musas em Ação nas Viagens estará patente ao público de 3 de dezembro a 4 de fevereiro de 2023. Com entrada livre, a exposição pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 13h00 e das 14h30 às 18h00. Aos sábados das 14h30 às 17h30. Encerra aos domingos e feriados.