Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) verificou que a maioria dos veterinários portugueses não utilizam protocolos para prescreverem antimicrobianos a animais de companhia. A prescrição é realizada de forma empírica, através da análise dos sintomas do animal e sem recurso a um exame que comprove a necessidade de prescrever estes fármacos.

De acordo com os investigadores, a preferência pela prescrição empírica acontece porque 80% dos veterinários não têm um protocolo que oriente a prescrição no seu local de trabalho. Por esta razão, sublinha-se a urgência de se criar um protocolo português, que ajude os veterinários a fazerem um uso prudente e responsável destas substâncias, ao mesmo tempo que se destaca o papel destes profissionais no combate à resistência antimicrobiana.

A resistência aos antimicrobianos – onde se incluem, por exemplo, os antibióticos e os antifúngicos – representa uma ameaça crescente à saúde pública, em todo o mundo, e está associada a avultados prejuízos económicos. Esta resistência pode propagar-se entre os animais, os seres humanos e o ambiente.

Risco para os animais e para os humanos

Como explica Gisélia Alcântara, primeira autora da investigação, coordenada pelo investigador do ISPUP, Niza Ribeiro, “as bactérias resistentes aos antimicrobianos podem passar dos animais de companhia para as pessoas e vice-versa. Esta transmissão ocorre através do ambiente. É aqui que entra a lógica da Uma Só Saúde (do inglês, One Health), que reconhece a interligação entre a saúde humana, a animal e a dos ecossistemas”.

“Por esta razão, o uso indevido e excessivo de antimicrobianos nos animais de companhia aumenta o risco de resistência antimicrobiana tanto nos animais como nos humanos, colocando em perigo a saúde e o bem-estar das pessoas e dos animais”, acrescenta.

Tendo em conta este enquadramento, os investigadores do ISPUP procuraram compreender quais as motivações e os critérios usados para a prescrição de antimicrobianos a animais de companhia por parte dos veterinários portugueses, e perceber também se estes seguiam um protocolo ou se prescreviam de forma empírica.

Para tal, aplicaram um questionário de auto-resposta a 417 médicos veterinários, representativos da classe profissional do país, entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, de forma a avaliar qual o método de prescrição usado, os motivos para a receita de antimicrobianos, as recomendações dadas ao tutor, entre outros aspetos relevantes.

Os protocolos são mais usados entre quem trabalha em hospitais

Os autores do estudo, publicado na revista Comparative Immunology, Microbiology and Infectious Diseases, identificaram dois perfis de veterinários: os que prescrevem seguindo as orientações de um protocolo no seu local de trabalho e os que o fazem de forma empírica.

Conclui-se que os médicos veterinários que trabalham em hospitais utilizam com maior frequência o protocolo para a prescrição de antimicrobianos a animais de companhia. Estes profissionais revelaram também uma atitude mais prudente para com a receita destas substâncias.

Da mesma forma, constatou-se que uma elevada percentagem dos veterinários prefere a prescrição empírica, o que pode ser explicado pelo facto de 82% não ter protocolo no seu local de trabalho.

Quando questionados sobre os principais fatores que influenciam a prescrição de antimicrobianos a animais de companhia, a maioria mencionou a eficácia destes medicamentos. “Os veterinários querem, acima de tudo, que os animais fiquem curados”, diz Gisélia Alcântara.

E será que o tutor do animal influencia a decisão do veterinário relativamente à prescrição? A resposta é sim. “59% dos veterinários mencionaram que os tutores pedem, às vezes, antibióticos para os seus animais, quando vão à consulta, e 18% afirmaram mesmo que os tutores pedem sempre estes fármacos.”, salienta a investigadora do ISPUP.

“Verificámos também que a prescrição de antimicrobianos destinados ao uso humano é sobretudo motivada pelo pedido do tutor e não porque o veterinário acredita que essa é a melhor solução para o animal. O uso de antibióticos licenciados para pessoas em animais tem de ser uma exceção, devendo apenas ser usado quando outros medicamentos não estiverem disponíveis”, acrescenta.

Gisélia Alcântara, investigadora do ISPUP, e primeira autora do estudo. (Foto: DR)

Comunicação enquanto arma de sensibilização para o uso adequado de antimicrobianos

Outro resultado que merece atenção prende-se com o facto de os veterinários portugueses não estarem conscientes do seu papel de divulgadores da resistência antimicrobiana, sobretudo junto dos tutores que visitam a clínica.

A investigação demonstrou que um grande número de veterinários não conversa com os tutores sobre os problemas associados à resistência antimicrobiana, nem indica a necessidade de reforçar as medidas higiénico-sanitárias, durante o período em que o animal está a tomar o medicamento.

Esta questão é preocupante, pois, como refere Gisélia Alcântara, “o reforço das medidas de higiene, durante o tratamento com antimicrobianos, é fundamental para evitar a transmissão das bactérias resistentes dos animais para os humanos”.

Desta forma, a comunicação entre veterinários e tutores sobre os riscos associados ao uso destes fármacos necessita de ser melhorada. “A educação dos tutores para o uso adequado dos antimicrobianos é uma questão crucial, até porque estes influenciam as decisões dos veterinários, no momento da prescrição dos medicamentos”, frisa.

A importância de um protocolo português para animais de companhia

Tendo em conta os resultados encontrados, os investigadores destacam por isso a urgência de se criar um protocolo português que oriente os médicos veterinários no momento da prescrição.

Esse protocolo, ajudaria estes profissionais a fazerem um uso mais adequado dos antimicrobianos, auxiliando no combate à resistência antimicrobiana.

Na investigação designada Antimicrobial resistance in companion animals – Veterinarians’ attitudes and prescription drivers in Portugal participaram também os investigadores Katia Pinello e Milton Severo.