O trabalho procurou fornecer evidência sobre a qualidade dos cuidados prestados aos doentes com síndrome coronária aguda e insuficiência cardíaca crónica, em Portugal.

Um trabalho desenvolvido por uma investigadora da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) mostra que existem importantes oportunidades de melhoria da qualidade dos cuidados prestados ao longo do processo assistencial dos doentes com síndrome coronária aguda e insuficiência cardíaca crónica, em Portugal, nomeadamente ao nível dos cuidados pré-hospitalares, da reabilitação cardíaca e da gestão da doença crónica.

A investigação, desenvolvida no âmbito do Programa Doutoral em Saúde Pública da Universidade do Porto, procurou “fornecer evidência sobre a qualidade dos cuidados prestados aos doentes com síndrome coronária aguda e insuficiência cardíaca crónica, através da compreensão das discrepâncias entre a evidência científica e a prática clínica, em Portugal”, refere Marta Viana, autora do trabalho, orientado por Ana Azevedo e coorientado por Nuno Lunet.

A síndrome coronária aguda resulta da redução da passagem de sangue para o coração e inclui duas formas de apresentação: o enfarte agudo do miocárdio (ataque cardíaco) e a angina instável. Neste contexto, o tratamento rápido é fundamental para preservar o bom funcionamento do coração e evitar complicações ou mesmo a morte dos doentes. Assim, um dos objetivos do trabalho passou por estimar o tempo desde o aparecimento dos sintomas até à primeira avaliação por um médico e desde esta avaliação até ao tratamento.

Verificou-se que em mais de metade dos doentes demora-se mais de duas horas até uma primeira avaliação por um médico. “Aqueles que não reconhecem os sintomas como cardíacos demoram mais tempo a contactarem o sistema de saúde, assim como as pessoas que não utilizam a ambulância como meio de transporte”, indica Marta Viana. “É muito importante que os doentes liguem para o 112, para terem acesso à via verde coronária, e que sejam reencaminhados para um hospital com capacidade de tratamento, porque nem todos os hospitais têm capacidade para tratar estes doentes”, frisa.

De destacar ainda que 78% dos doentes com enfarte do miocárdio demoraram mais tempo do que o recomendado desde a avaliação por um médico até serem tratados, sendo que a não admissão direta num hospital com capacidade de tratamento é um dos fatores que mais contribuiu para esta demora.

Constatou-se também que os programas de reabilitação cardíaca continuam a ser subutilizados em Portugal, existindo importantes desigualdades no acesso aos mesmos nas regiões do Porto e de Vila Real. “Esta subutilização é em grande parte explicada por baixas taxas de referenciação, que refletem os problemas do sistema de saúde no que concerne à disponibilidade e distribuição dos centros de reabilitação cardíaca em Portugal.” De salientar ainda que a proporção de doentes referenciados está abaixo dos 30%, que foi a meta definida no Plano Nacional de Saúde para 2010.

Quanto à insuficiência cardíaca crónica (condição em que o coração não tem capacidade para bombear ou encher o sangue necessário para o funcionamento do organismo), a terapêutica farmacológica é fundamental para melhorar a sobrevivência dos doentes, diminuir o número hospitalizações e aliviar os sintomas. Por esta razão, a investigação quantificou também a adesão dos doentes à terapêutica prescrita e identificou as barreiras a uma maior adesão.

Os resultados mostraram que cerca de 30% de pessoas com insuficiência cardíaca não aderem à terapêutica prescrita. As crenças dos doentes e a capacidade de autogestão da doença foram salientadas como importantes para a adesão ao tratamento, assim como a relação médico-doente. A transmissão de informação clara sobre a doença e a terapêutica e a disponibilidade do médico para escutar, aconselhar e compreender o doente e as suas crenças, potenciam a confiança no profissional de saúde e, por conseguinte, a adesão ao tratamento.

Em suma, “os resultados desta investigação demonstram de forma inequívoca que a criação de valor em saúde depende de uma boa interação entre os doentes e os profissionais de saúde.” Por isso, “as políticas destinadas a pro­mover a qualidade dos cuidados de saúde devem compreender estratégias que conduzam à redução das desigualdades no acesso aos serviços e que promovam a capacitação dos profissionais e dos doentes para trabalharem em parceria de forma a maximizar os resultados em saúde”.

O trabalho de investigação intitula-se Understanding the gap between scientific evidence and clinical practice in cardiovascular diseases.