Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do CINTESIS defendem um aumento do número de vagas em estruturas residenciais destinadas aos Cuidados Continuados de Saúde Mental, de modo a responder à procura, sobretudo por parte dos hospitais. A equipa alerta também para a baixa utilização dos serviços domiciliários.

“O número de vagas em residências deveria aumentar já que a ocupação destas estruturas atinge valores de cerca de 90%. As estruturas residenciais parecem ser prioritárias, mas é importante perceber por que motivo os serviços domiciliários parecem estar subaproveitados”, indicam os autores do trabalho publicado no International Journal of Social Psychiatry.

Estes é o primeiro estudo a debruçar-se sobre os resultados da reforma nos Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental, iniciada em 2017 e atualmente em curso em Portugal. Destinados a pessoas com doença mental grave, incluindo a esquizofrenia e a doença bipolar, estes cuidados visam a reabilitação psicossocial e a reintegração dos doentes na comunidade.

“Os Cuidados Continuados em Saúde Mental correspondem a uma estratégia de Psiquiatria Comunitária que se espera que cresça no futuro, atendendo ao investimento esperado através do Programa de Resiliência e Recuperação. De facto, é um dos objetivos alargar até 1.000 lugares o número das respostas de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental e até 100 lugares em 10 equipas domiciliárias”, notam os autores.

Oferta desequilibrada nos Cuidados Continuados de Saúde Mental

A equipa de investigadores da FMUP/CINTESIS analisou a procura e a oferta destas estruturas e serviços, nomeadamente estruturas residenciais e serviços de ambulatório, como as unidades socio-ocupacionais e as equipas de apoio domiciliário, entre 2017 e dezembro de 2022.

Ao todo, nestes cinco anos, houve 1.192 referenciações de hospitais, cuidados de saúde primários e setor social para Cuidados Continuados de Saúde Mental, das quais 8,3% correspondiam a crianças e adolescentes.

“As residências de apoio máximo (RAMa), desenhadas para doentes com mais incapacidade, tiveram o maior número de referenciações e, assim que as vagas abriram, ficaram rapidamente saturadas”, aponta o estudo.

As estruturas residenciais são espaços que recebem doentes com diferentes graus de incapacidade psicossocial, ou seja, maior gravidade e compromisso funcional, e que habitualmente não podem ser tratados em casa devido à falta de retaguarda familiar ou social.

Enquanto as residências têm a sua capacidade quase esgotada, os serviços de apoio domiciliário são os menos procurados, com taxas de ocupação abaixo dos 50%. Os investigadores entendem que devem ser averiguados os fatores que podem estar a ser um obstáculo à sua utilização, incluindo a falta de conhecimento ou a redundância de serviços.

Além disso, este estudo descreve que “o número de referenciações assume um padrão concêntrico relativamente à disponibilidade de vagas nos Cuidados Continuados de Saúde Mental. É ainda possível observar que existem regiões do país com baixa cobertura e oferta deste tipo de cuidados, o que constitui um obstáculo, tendo em conta a importância da proximidade à comunidade”.

“O Alentejo e o Algarve, que correspondem a regiões do país mais carenciadas a nível de recursos e profissionais de Saúde Mental, são também as regiões com menos vagas e estruturas disponíveis”, referem os autores.

O presente estudo tem como autores Filipa Santos Martins (CINTESIS/Centro Hospitalar Universitário de São João), Tallys Feldens (CINTESIS/Universidade Federal do Paraná), Cátia Guerra (FMUP/CHUSJ) e João Vasco Santos (FMUP/CINTESIS/ ACES Grande Porto V – Porto Ocidental).