Uma equipa de especialistas do Laboratório de Farmacologia e Neurobiologia (LNF) do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto e do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) desvendou o mecanismo de ação de um dos medicamentos mais utilizados clinicamente na redução da hiperatividade da bexiga.

Num artigo recentemente publicado numa das mais prestigiadas revistas científicas da área da Farmacologia- o British Journal of Pharmacology do grupo da Nature -, a equipa coordenada pelo investigador Paulo Correia de Sá, Diretor do LFN do ICBAS, revela que o alívio dos sintomas produzido pela toma do medicamento mirabregon, cuja ação se julgava estar centrada no relaxamento direto do músculo (detrusor) da bexiga através da ativação de recetores adrenérgicos do tipo Beta 3, se deve afinal a uma ação indireta sobre os nervos (colinérgicos) que provocam a contração da bexiga. Esse efeito é ainda favorecido pela libertação de grandes quantidades de adenosina pelas células musculares.

Esta descoberta inovadora já foi considerada, pelo prestigiado website científico F1000Prime, que reúne mais de 8 mil especialistas e universitários de todo o mundo, como uma das mais importantes na área da Urologia, à data da sua publicação.

Também outras duas revistas científicas de elevado índice de impacto (European Urology e Nature Reviews in Urology) dedicaram editoriais especificamente a estas novidades.

Paulo Correia de Sá, Diretor do LFN do ICBAS e coordenador da equipa de investigação. (Foto: DR)

Novo dispositivo para substituir exames invasivos

Os resultados da investigação coordenada por Paulo Correia de Sá continuam assim a abrir portas a novas linhas de investigação centradas na pesquisa de alvos terapêuticos mais eficazes e com menos efeitos adversos, para o controlo e tratamento da hiperatividade da bexiga. Em paralelo, os investigadores vêm também estudando a possibilidade de reaproveitamento de fármacos já existentes para novas aplicações, considerando as novas descobertas.

Recorde-se que a mesma equipa do ICBAS/CHUP foi pioneira em demonstrar que a medição do ATP urinário constitui um biomarcador não invasivo com uma resposta dinâmica dos níveis de atividade da bexiga em homens com hiperplasia benigna da próstata e, também, em mulheres com hiperatividade vesical.

Com base nesta evidência, e através da colaboração com um parceiro industrial internacional, o LNF está já há vários anos a desenvolver um dispositivo médico (tiras teste) capaz de avaliar os níveis urinários de ATP de forma rápida no consultório médico.

Este novo dispositivo poderá vir a ser uma enorme vantagem face ao exame urodinâmico invasivo habitualmente necessário para a mesma finalidade.

Os sintomas do trato urinário inferior

Estima-se que mais de 40% da população mundial seja afetada, pelo menos uma vez na vida, por sintomas do trato urinário inferior (LUTS), em grande parte devido a infeções, obstrução e hiperatividade da bexiga. A prevalência de LUTS aumenta com a esperança média de vida e a sintomatologia urinária está normalmente associada a grande perturbação emocional e na qualidade de vida, bem como a elevados custos económicos. Os distúrbios do funcionamento da bexiga são multifatoriais e maioritariamente desconhecidos na sua essência.

Ao contrário das infeções, cujo tratamento passa pela administração de antibióticos, as queixas de hiperatividade da bexiga associadas à obstrução são persistentes, mesmo depois da desobstrução cirúrgica (por exemplo, prostatectomia nos homens). O diagnóstico desta situação é difícil, requerendo habitualmente procedimentos invasivos (exame urodinâmico através da introdução de um cistoscópio), e o seu tratamento farmacológico serve apenas para controlar a sintomatologia com efeitos adversos mais ou menos significativos.