Será que as leis que regem o Universo foram as mesmas em todo lado e durante toda a vida do Universo, ou será que podem variar? Porque é que a gravidade é muito mais fraca do que o eletromagnetismo? Para tentar responder a estas perguntas, uma equipa internacional, que conta com a participação de vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IAstro), usou o espectrógrafo ESPRESSO, do European Southern Observayoty (ESO), para medir com alta resolução a constante de estrutura fina, ou alfa (𝛂). Os resultados acabam de ser publicados na revista Astonomy & Astrophysics.

Carlos Martins, coautor do artigo e investigador responsável pelo projeto CosmoESPRESSO do IAstro na U.Porto, explica que “as constantes fundamentais do Universo, como 𝛂, são vitais para a compreensão do funcionamento do Universo, mas não se sabe porque é que têm o valor que têm, se tiveram sempre o mesmo valor ao longo da História do Universo ou se variam de local para local.”

“Isto é um mistério, no centro de tudo o que conhecemos acerca do funcionamento da Natureza. Só podemos afirmar que estas grandezas são constantes, porque nas nossas medições nunca detetámos uma que variasse”, comenta por sua vez Michael Murphy (Centre for Astrophysics and Supercomputing, Swinburne University of Technology & Institute for Fundamental Physics of the Universe), o primeiro autor do artigo. 

Segundo Carlos Martins, “algumas teorias, que vão para além do modelo standard, sugerem que a constante de estrutura fina pode variar com o tempo ou o espaço, por isso nas últimas  décadas foram feitas centenas de medições de 𝛂. Algumas delas pareciam indicar que, ao longo dos milhares de milhões de anos do Universo, esta teria variado em cerca de 10 partes por milhão. No entanto, não se sabia se essas variações eram apenas resultado da limitada resolução dos instrumentos usados”.

“Enquanto físicos, queremos sempre descobrir algo que não é explicável pelo conhecimento atual, porque temos de aprender algo de novo. Neste caso, queremos descobrir se alfa varia ou não. Se variar, irá moldar a física das próxima décadas. Mas estes limites superiores mais rígidos também ajudam a compreender melhor um dos maiores mistérios da cosmologia moderna: O que é a Energia Escura, um dos objetivos da equipa CosmoESPRESSO.”
Carlos Martins

A mais exata medição alguma vez feita

Verificar se estas constantes são, de facto, verdadeiramente constantes, são um verdadeiro teste aos fundamentos da física atual, mas era necessário fazer medições com instrumentos de alta precisão, como o ESPRESSO, que alia a sua estabilidade única ao incrível poder coletor do Very Large Telescope (VLT). A equipa usou este espectrógrafo – instalado no Observatório do Paranal do ESO – para medir 𝛂, que depende da carga do eletrão (e), da constante de Planck (h) e da velocidade da luz (c), e por isso pode ser usado como medida da força eletromagnética, uma das quatro forças fundamentais do Universo.

Espectro obtido pelo ESPRESSO da região onde a absorção causada pela nebulosa, na linha de visão entre a Terra e o quasar HE 0514-4414, permite a medição da constante de estrutura fina. (Crédito: Murphy et.al, 2021)

Ao observar a luz de um quasar distante, que atravessou uma nebulosa de absorção na nossa linha de visão, a equipa descobriu que, há 8,4 mil milhões de anos, a força eletromagnética nessa nebulosa era a mesma que hoje se mede na Terra.

Imagem em luz branca, centrada no Quasar HE0515-4414, obtida pelo espectrógrafo MUSE, instalado no VLT (ESO). (Crédito: Bielby et. al, 2016)

Paolo Molaro (INAF – Osservatorio Astronomico di Trieste & Institute for Fundamental Physics of the Universe), o coordenador deste projeto, explica que o ESPRESSO “é um espectrógrafo ‘super-estável’, montado numa câmara de vácuo, num laboratório isolado, debaixo dos quatro telescópios do VLT. O espectro do nosso quasar também foi calibrado com a ‘régua de cor’ do ESPRESSO – um pente laser de frequências que nos permite saber, com muito mais precisão do que até aqui, o comprimento de onda da luz em qualquer ponto do espectro”. Isto permitiu à equipa medir a constante de estrutura fina com uma precisão de 1,3 partes por milhão, a mais exata medição de 𝛂 alguma vez feita.

Estes resultados, que servem agora de base para medições com os instrumentos da próxima geração, como o espectrógrafo HIRES, que será montado no Extremely large Telescope (ELT) do ESO, demonstram que a precisão dos resultados está apenas limitada pela quantidade de luz que se consegue coletar – algo que vai aumentar consideravelmente com o espelho modular de 39,3 metros do ELT.