Modelo geneticamente confirmado expansão Bantu desde a sua origem, representando a incorporação de características genéticas de outras populações ao longo do percurso. Créditos: Patin et al., Science (2017) / Etienne Patin / Institut Pasteur

Três investigadoras do i3S – Joana B. Pereira, Verónica Fernandes e Luísa Pereira – integram a equipa internacional que reconstruiu a história genética das populações agrícolas africanas falantes Bantu. No trabalho publicado na Science, pode-se seguir os rastos genéticos dessas populações desde a região de origem, na atual fronteira entre a Nigéria e os Camarões, e acompanhar o processo de expansão por toda a África Subsariana, e mesmo a migração forçada para a América do Norte. Angola é um interposto fundamental à dispersão, e confirma-se o modelo de “divisão tardia”, em que a migração ocorreu primeiro em direção a Angola e apenas aí se dividiu em duas ondas, uma que continuou para sul ao longo da costa oeste e outra que se dirigiu primeiro para leste, para a região dos grandes lagos, seguindo posteriormente para sul pela costa leste. O artigo também mostra que a adaptação dos Bantu ao novo ambiente conquistado foi facilitado por miscigenação com populações autóctones e incorporação de diversidade selecionada nessas populações.

Os falantes de línguas Bantu representam atualmente 1/3 da população subsaariana e terão origem numa população da zona ocidental de África, na atual fronteira entre Nigéria e Camarões. Há cerca de 4-5 mil anos esse povo agrícola terá começado a expandir-se por grande parte do território africano, ocupando toda a zona abaixo do equador. No processo de expansão várias línguas e culturas foram emergindo, todas com uma origem comum, o que constitui uma das mais bem sucedidas migrações a nível mundial. O friso cultural estabelecido é claro mas várias dúvidas se mantinham até agora como, por exemplo, o caminho seguido nessa expansão, e qual o contributo genético das populações migrantes e autóctones para as populações Bantu atuais.

Com recursos às técnica mais avançadas da genética de populações, os investigadores rastrearam marcas específicas que tenham sido deixadas pelas misturas ocorridas com as populações autóctones durante a migração. Essas marcas podem ser detectadas nas populações atuais e, com elas, traçar as rotas migratórias. Como nos explica Luísa Pereira, “as misturas que vão ocorrendo são importantes para perceber os movimentos das populações pois constituem as marcas que vamos seguindo, como verdadeira pegadas genéticas que ficam”. Verificou que os Bantu do leste e os do sul têm maior semelhança genética com as populações de Angola do que entre si, ou com a população originária, mais a norte. Isso permitiu perceber que “os Bantu migraram primeiro para sul, pelo Gabão até Angola, através da floresta equatorial”, explica Luísa Pereira, uma das investigadoras envolvidas, “e daí partiram em dois corredores distintos, um para leste, e outro para sul”. Isto vem corroborar uma das hipóteses em cima da mesa, deitando por terra a que defendia que a divisão em duas ondas tinha ocorrido logo na origem, cerca de 2.000 anos antes.

Mas outro resultado interessante foi que para “as populações migrantes, a miscigenação foi fundamental, ao conferir uma clara vantagem, a adaptação genética às novas condições ambientais”. De facto, o puzzle ambiental do território ocupado é enorme, incluindo floresta húmida, savanas, desertos, etc. A adaptação é, por isso, de extrema importância para o sucesso. O contributo genético das populações locais, cada uma adaptada ao seu território, foi a chave para o sucesso. O grupo Bantu do leste misturou-se com populações do leste de África (representadas pela Etiópia) e adquiriu diversidade genética que permite a tolerância à lactose em idade adulta. O grupo Bantu de oeste misturou-se com pigmeus da floresta tropical e adquiriu diversidade do sistema imune. Os Bantu de sul misturaram-se com o grupo San, mas não se detetou nenhum sinal forte de seleção neste grupo.

O trabalho destes investigadores foi ainda mais longe para perceber qual o contributo genético das diferentes regiões de África para os atuais afro-americanos. Essa faixa da população norte americana teve origem na deslocação forçada de populações africanas para o novo continente. Os atuais Afro-americanos do norte dos EUA possuem 73% de ancestralidade africana, e os dos estados do sul 78%. Esta ancestralidade tem uma origem mista em África, segundo o estudo. As contribuições identificadas são: de 13% Senegal/Gambia, 7% da região da atual Costa do Marfim e Gana, 50% da região à volta do atual Benim, até 30% da costa ocidental da África central, maioritariamente de Angola. Estes dados genéticos são surpreendentemente consistentes com os registos históricos sobre o transporte de escravos. O que vem demonstrar que não se pode usar apenas uma população africana como representando a população parental dos afro-americanos. E quanto à detecção de sinais de seleção no grupo afro-americano, verificou-se que houve relaxamento desde a introdução ao novo ambiente do continente americano.