Os dois estudos demonstram através de análise genómicas comparativas que na base de uma pele única está a perda extensiva de genes envolvidos na produção de gordura e da resposta inflamatória.

Em dois estudos publicados em revistas científicas uma equipa internacional liderada por investigadores portugueses do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP), conseguiu compreender as características genéticas que fazem com que a pele das baleias e dos golfinhos seja tão lisa.

Perceber a origem genética desta pele tão peculiar foi o objetivo desta investigação do grupo de investigadores do CIIMAR-UP. Os resultados mostraram que, na base de uma pele com caraterísticas funcionalmente únicas, está a perda extensiva de genes envolvidos na produção de gordura na pele e a aparente eliminação de um componente molecular da resposta inflamatória. Um exemplo notável de adaptação ao meio aquático por parte dos cetáceos!

A pele dos mamíferos é um órgão multifuncional de elevada importância em múltiplos aspetos biológicos, como sejam a proteção contra agentes patogénicos, o controlo da temperatura corporal e retenção de água. Na generalidade dos mamíferos, como é o caso do homem, algumas destas caraterísticas estão associadas a estruturas muito visíveis como a presença de pelo, a produção de sebo e a respostas do sistema imune como por exemplo a inflamação.

Contudo, alguns grupos de animais, como por exemplo as baleias e os golfinhos, apresentam notáveis diferenças. A mais evidente no caso dos cetáceos é a falta de pelo. Outras caraterísticas incluem, por exemplo, o espessamento da epiderme, a ausência de glândulas sebáceas, a cornificação e descamação anormais, a rápida renovação da pele, e a quase ausência de cicatrizes. Consequentemente, a inflamação da pele é aparentemente reduzida nos cetáceos.

Os dois estudos agora publicados quase em simultâneo nas revistas Molecular Biology and Evolution e Immunogenetics procuraram perceber a base genética destas diferenças tão vincadas face a outros mamíferos. Através da análise comparativa do genoma e estudos bioinformáticos dos genes que participam na biossíntese da gordura da pele (o sebo), a equipa de investigadores conseguiu determinar que as enzimas produtoras de sebo, assim como um gene central na resposta à inflamação cutânea, não estão funcionais nos cetáceos. Isto é, os genes associados a esta maquinaria acabaram por desaparecer ao longo da evolução dos cetáceos e o que resta são apenas “ruínas” destes genes no seu genoma. Aparentemente, os genes em questão acumularam um número muito significativo de mutações pelo que são, por isso, incapazes de dar origem a proteínas funcionais.

Segundo Filipe Castro, cientista sénior deste trabalho, a equipa conseguiu encontrar outro tipo de provas estudando o ADN correspondente à pele na baleia-azul. “Como a sequência destes genes apresenta estes erros, nós fomos estudar se ainda seria possível que produzissem proteínas funcionais, usando amostras biológicas de baleia azul. E claro, como esperado, observámos a ausência de expressão deste conjunto de genes na baleia azul!”, explica o investigador.

A investigadora do CIIMAR-UP, Raquel Ruivo, que também liderou este trabalho, afirma ainda que “estas evidências são encontradas noutras espécies, por exemplo, no hipopótamo”, uma espécie aparentada com as baleias e os golfinhos, que “também apresenta uma pele peculiar, nomeadamente a aparente ausência de glândulas sebáceas”.

Ooutras espécies de mamíferos que apresentam morfologias de pele atípicas, nomeadamente ao nível da gordura da pele, incluem o elefante africano, a vacado-mar, o rinoceronte-negro e o porco. De acordo com Raquel Ruivo, “esta variação no repertório de genes disponíveis parece traduzir-se em perfis distintos de pele com impactos na adaptação destes grupos a nichos ecológicos específicos”.