Uma equipa internacional liderada por investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO/BIOPOLIS), da Universidade do Porto, acaba de publicar um artigo na revista ZooKeys, no qual descreve, pela primeira vez, o mocho-do-príncipe (Otus bikegila), uma nova espécie de mocho descoberta na Ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe.

A existência do mocho-do-príncipe (Otus bikegila) foi confirmada para a ciência apenas em 2016, embora suspeitas da sua ocorrência tenham ganho força a partir de 1998. Contudo, testemunhos de habitantes locais sugerindo a sua existência já tinham sido encontrados numa carta que remonta a 1928.

No artigo agora publicado, a equipa encabeçada por Martim Melo (que é também investigador do Museu de História Natural e Ciência da U.Porto), Bárbara Freitas (mestre em Mestrado em Biodiversidade, Genética e Evolução pela Faculdade de Ciências da U.Porto e atual doutoranda na e Angelica Crottini faz a descrição da espécie para a ciência, com base em várias linhas de evidência, incluindo morfologia, cor e padrão de plumagem, vocalizações e genética,

“A descoberta de uma nova espécie de ave é sempre uma ocasião de celebração e uma oportunidade para aproximar o grande público do tema da biodiversidade”, destaca Martim Melo.

Segundo o investigador, “as aves são provavelmente o grupo animal mais bem estudado. Assim, a descoberta de uma nova espécie de ave no século XXI confirma a atualidade das explorações de campo com o objetivo de descrever a biodiversidade, e mostra como este empreendimento movido pela curiosidade tem maiores probabilidades de ser bem-sucedido quando aliado ao conhecimento local, à participação de naturalistas amadores entusiastas e a persistência”.

A existência do mocho-do-príncipe (Otus bikegila) foi confirmada para a ciência apenas em 2016. (Foto: Philippe Verbelen)

Um canto distinto

Na natureza, a maneira mais fácil de detetar e reconhecer um mocho-do-príncipe é através do seu canto único – na verdade, foi uma das principais pistas que levaram à sua descoberta.

“O chamamento do mocho-do-príncipe é uma nota curta “tuu” repetida cerca de uma vez por segundo, podendo lembrar o canto de insetos. Muitas vezes é emitido em dueto, logo após o cair da noite”, explica Martim Melo.

A nova espécie foi batizada com o nome científico de Otus bikegila. “Otus” é o nome genérico dado a um grupo de pequenos mochos que partilham uma história evolutiva comum, e comumente chamados de mochos-d’orelhas.

Já o epíteto “bikegila” foi escolhido em homenagem a Ceciliano do Bom Jesus, conhecido por Bikegila – um ex-apanhador de papagaios da Ilha do Príncipe e agora guia da natureza e guarda do Parque Natural.

“A descoberta do mocho-do-príncipe só foi possível graças ao conhecimento partilhado por Bikegila e aos seus inabaláveis esforços para resolver este mistério de longa data”, justifica Martim Melo. Como tal, conclui, “o nome é também um reconhecimento a todos os assistentes de campo locais que têm um papel fundamental para o avanço do conhecimento sobre a biodiversidade do mundo”.

Martim Melo foi um dos responsáveis pela primeira demonstração empírica da Teoria da Biogeografia das Ilhas, utilizada há mais de meio século para explicar a diversidade de espécies observada nas ilhas. (Foto: Luís Valente)

Monitorizar para travar ameaça

Um segundo artigo da autoria da mesma equipa, e que acaba também de ser publicado pela revista Bird Conservation International, mostra que o mocho-do-príncipe é encontrado apenas na floresta nativa remanescente que se encontra hoje na parte desabitada do sul da Ilha do Príncipe. Aqui ocupa uma área de cerca de 15 quilómetros quadrados, aparentemente devido à preferência por altitudes mais baixas.

Como todos os indivíduos da espécie ocorrem neste local único e muito pequeno (do qual uma parte será afetada num futuro próximo pela construção de uma barragem hidroelétrica), os investigadores propuseram que a espécie – cuja população está estimada em cerca de 1000-1500 indivíduos – fosse classificada como ‘Criticamente em Perigo’, o nível de ameaça mais alto da Lista Vermelha da UICN.

De modo a monitorizar as suas populações e a acompanhar alterações ao longo do tempo, os investigadores desenvolveram e testaram com sucesso um protocolo de monitorização da espécie que utiliza unidades de gravação automáticas do seu canto em combinação com inteligência artificial para analisar rapidamente os milhares de horas de gravações.