O estudo demonstrou que as linhagens mais antigas de aves existentes na Amazónia surgiram nas regiões mais húmidas do oeste e norte da região. (Foto: Alexandre Aleixo)

Num artigo publicado esta quinta-feira pela prestigiada revista Science Advances, uma equipa internacional, que inclui os investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (CIBIO-InBIO), Sofia Marques Silva, Tiago Sousa-Neves, Marcelo Vallinotto e Fernando Sequeira, demonstra o papel crucial do clima para a diversidade de aves da Amazónia e aponta a região sudeste deste bioma como a mais vulnerável às alterações climáticas.

Reunindo, pela primeira vez, dados de dezenas de espécies de aves amazónicas, obtidos a partir de mais de 6 mil registos e dados genéticos recolhidos de aproximadamente 1000 indivíduos, os investigadores concluíram que a imensa diversidade biológica encontrada na Amazónia estará intimamente relacionada com as oscilações do clima no passado que ocorreram de maneira distinta em cada região.

Os resultados demonstram ainda que as linhagens mais antigas de aves surgiram nas regiões mais húmidas do oeste e norte da Amazónia, e que estas teriam originado as linhagens mais jovens nas regiões a sul e sudeste, relativamente mais secas.

“Quisemos neste estudo elaborar um modelo mais complexo que pudesse explicar as divergências observadas em estudos anteriores. Para isso estudamos diferentes espécies de aves, endémicas de regiões distintas da Amazónia, e analisamos de que maneira as alterações na paisagem e no clima ocorridos no passado estariam relacionadas com o surgimento destas diferentes espécies”, explica Sofia Silva, investigadora do CIBIO-InBIO e primeira autora do artigo,

De acordo com a investigadora, os resultados agora publicados indicam também que “apesar de os rios da bacia Amazónica terem contribuído para a diferenciação de algumas espécies, o fator crucial que explica a grande biodiversidade são as oscilações da humidade ocorridas durante o Plistoceno [época geológica na história da Terra que terá ocorrido entre cerca de 2,5 milhões e 11 mil anos atrás], as quais não foram homogéneas ao longo da Amazónia e nem ocorreram nos mesmos intervalos de tempo”.

O passeriforme Willisornis vidua, ou rendadinho-do-Xingu, foi uma das espécies de aves analisada pelos investigadores. (Foto: P. V. Cerqueira)

Os investigadores acreditam ter havido no passado um gradiente bastante acentuado na variação climática desde o noroeste, historicamente mais húmido, até o sudeste da Amazónia, relativamente mais seco. Estas evidências explicariam a existência de uma maior e mais antiga diversidade de aves no oeste e norte da Amazónia. O sul e sudeste abrigam uma menor e mais recente diversidade de aves, que teriam surgido somente quando o clima esteve propício para o estabelecimento da floresta húmida nesta área. Nessas áreas, a cobertura florestal  deverá ter sido instável e altamente influenciada pela redução de precipitação na região.

O estudo resolve assim a aparente contradição entre as hipóteses sobre a biodiversidade na Amazónia e também traz à discussão o papel da maior floresta tropical do planeta no âmbito das alterações climáticas.

Com efeito, os autores alertam que a região sudeste da Amazónia, historicamente a mais vulnerável a mudanças climáticas, é hoje a mais ameaçada pela desflorestação. Se considerarmos os impactos das alterações climáticas actuais é provável que as mudanças históricas na distribuição da cobertura florestal nesta região ocorram novamente, e com elas a perda da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos dos quais todos nós dependemos.

Para além do CIBIO-InBIO , o estudo envolveu investigadores de mais nove instituições internacionais, entre as quais o Luomus Finnish Museum of Natural History e a University of Helsinki (Finlândia).