Uma equipa de cientistas liderada por Helder Maiato, investigador no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto (i3S) e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), descobriu um mecanismo molecular que explica por que razão as triliões de células normais que existem no nosso corpo se dividem de uma forma tão eficiente e desprovida de erros. Esta descoberta foi publicada na prestigiada revista Cell Reports, tendo recebido honras de capa.

No estudo agora publicado, a equipa recorreu a amostras de células do Muntjac-indiano, um pequeno veado que possui apenas três pares de cromossomas gigantes, para melhor compreender o processo da segregação cromossómica durante a divisão celular e as moléculas que nele intervêm.

“A simplicidade cromossómica deste organismo permite visualizar e acompanhar determinados detalhes de uma forma que não é possível em células humanas, com os seu 23 pares de cromossomas”, explica Helder Maiato.

Os cromossomas dividem-se por ação dos microtúbulos, uma espécie de cordas que se ligam a cada um dos lados dos cromossomas numa região muito específica designada por cinetocoro e os «puxam».

“Explica um dos problemas centrais da divisão celular”

Até à data pensava-se que esta ligação era estabelecida através de um processo de tentativa/erro a partir de microtúbulos provenientes de outras pequenas estruturas celulares conhecidas por centrossomas, mas a equipa liderada por Helder Maiato desvendou como é que os microtúbulos se ligam aos cinetocoros, mesmo em células sem centrossomas, num processo que agora mostram envolver as proteínas Augmin.

As Augmin, explica o investigador e líder do grupo «Chromosome Instability & Dynamics» do i3S, “fazem parte de um complexo de oito proteínas que é responsável pela formação e amplificação de microtúbulos a partir de outros microtúbulos que se vão ligar aos cromossomas, independentemente da presença de centrossomas. Este mecanismo que descobrimos explica por que razão as células normais se dividem tão bem e de uma forma tão eficiente. Nada parece acontecer por acaso, como se pensava”.

A descoberta esteve em destaque na capa da edição de 5 de abril de 2022 da Cell Reports.

Aplicando várias técnicas, como a depleção de proteínas, a microscopia de super-resolução ou a microcirurgia laser, os autores – com destaque para Ana Almeida, primeira autora do trabalho agora publicado – descrevem com detalhe a formação e maturação destas fibras de ligação, assim como as moléculas que a afetam.

“Fizemos um rastreio genético nestas células e descobrimos que há uma proteína do complexo de proteínas Augmin que é responsável pela formação e maturação dos microtúbulos. Se esta proteína não existir, a divisão dos cromossomas e, consequentemente, das células, não acontece”, acrescenta Helder Maiato.

A descoberta deste mecanismo, acrescenta o investigador, “explica um dos problemas centrais da divisão celular: como é que células com cerca de 92 cinetocoros (no caso dos humanos) conseguem ligar cerca de 20 microtúbulos em cada cinetocoro em menos de meia hora sem produzir erros normalmente associados a células de cancro”.

Este trabalho foi possível graças ao financiamento pelo European Research Council (projeto 681443), pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (projeto PTDC/MED-ONC/3479/2020), pela Fundação La Caixa (projeto LCF/PR/HR21/52410025), e NORTE 2020/PORTUGAL 2020 em parceria com o Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional (projeto NORTE-01-0145-FEDER-000051).