Uma equipa internacional, que incluiu investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), demonstrou, pela primeira vez, que a Inteligência Artificial (IA) pode ser utilizada para desenvolver um sistema automatizado de reconhecimento individual de aves.

O estudo, que acaba de ser publicado na revista científica Methods in Ecology and Evolution, permitirá superar um dos grandes desafios com que os investigadores se deparam durante os estudos de monitorização e estudos de comportamento de aves – distinguir os diferentes indivíduos de uma população.

Ainda que algumas espécies animais, como os leopardos e as girafas, apresentem uma pelagem com padrões que os permite reconhecer, na maioria das espécies é necessário utilizar identificadores visuais. No exemplo das aves é muito comum proceder-se à anilhagem, mas esta técnica está sujeita a erros e pode induzir algum stress nos animais, apesar de se tentar sempre mitigar ao máximo este efeito.

“O nosso trabalho contribui para o desenvolvimento de métodos automatizados de baixo custo para a recolha de dados em estudos com animais. Em estudos sobre comportamento animal, a identificação individual das aves é um processo dispendioso e demorado, limitando também o tipo de comportamentos e o tamanho das populações que podem estudados”, explica André Ferreira, primeiro autor do estudo.

Biologia e Ciência de Dados em sintonia

De acordo com Francesco Renna, docente do departamento de Ciência de Computadores da FCUP, “o trabalho implicou a recolha e catalogação de milhares de imagens de três pequenas espécies de aves muito estudadas em ecologia comportamental que depois foram utilizadas para treinar e testar modelos de IA”.  O também investigador do Instituto de Telecomunicações (IT) trabalhou em conjunto neste estudo com Liliana Silva, investigadora do CIBIO-InBIO e estudante do mestrado em Ciência de Dados da FCUP, e com os investigadores Rita Covas e André Ferreira, mestre em Biodiversidade, Genética e Evolução pela FCUP.

Foram utilizadas duas populações selvagens da Tecelão-sociável (Philetairus socius) e do Chapim-real (Parus major) e uma população mantida em cativeiro do Tentilhão-zebra (Taeniopygia guttata). Após o processo de treino, os modelos permitiram o reconhecimento de novas imagens com uma precisão superior a 90% nas espécies selvagens e superior a 87% nos tentilhões-zebra mantidos em cativeiro.

Para o desenvolvimento deste método pioneiro de IA, os investigadores recorreram à tecnologia Deep Learning, um tipo de aprendizagem que tenta imitar um cérebro humano e que funciona através de redes neuronais artificiais para classificar imagens, reconhecer a voz e detetar objetos.

Na ecologia, este tipo de métodos nunca foi testado fora do laboratório em animais tão pequenos como as aves.

Os modelos testados permitiram o reconhecimento com uma precisão que, para algumas espécies. foi superior a 90%. (Foto: Cecile Vansteenberghe)

Mais dados para conhecer mais…

Os modelos agora obtidos são ainda incapazes de identificar novas aves que, eventualmente, se juntem à população de estudo. Também não se sabe se o desempenho dos modelos varia ao longo do tempo, como resposta à alteração da aparência das aves.

Os autores indicam que estas duas limitações podem ser ultrapassadas utilizando um conjunto de dados suficientemente grande obtido durante um longo período de tempo, uma tarefa que já está a ser levada a cabo pela equipa de investigação.

“O desenvolvimento de métodos de identificação automática e não invasiva de animais completamente não marcados e não manipulados pelos investigadores representa um grande avanço neste campo de investigação. Em última análise, há muito espaço para encontrar novas aplicações para este sistema e responder a perguntas que pareciam inalcançáveis no passado”, conclui André Ferreira.