Uma equipa de investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e da Faculdade de Ciências (FCUP) da Universidade do Porto, em colaboração com outras entidades portuguesas (UTAD) e espanholas (Universidade de Santiago de Compostela) publicou recentemente um estudo no prestigiado jornal Environmental Science & Technology, no qual alerta para o impacto negativo da metformina – um fármaco amplamente usado para controlar os níveis de açúcar no sangue em pessoas com diabetes – nos ecossistemas aquáticos.

Num contexto marcado pelo crescimento exponencial da diabetes e, como resultado, da prescrição de fármacos para controlar a doença, são também cada vez maiores as quantidades de metformina que são continuamente descarregadas nos ambientes aquáticos. A metformina é mesmo um dos produtos farmacêuticos detetados com maior frequência e em elevada concentração nas águas de todo o mundo.

A preocupação é grande, dado os organismos aquáticos estarem expostos a este fármaco durante todo o seu ciclo de vida. Até porque pouco se sabe ainda sobre os riscos para a saúde dos ecossistemas aquáticos. Mas metformina, tal como como muitos outros fármacos, mostrou ser uma molécula bioativa que atua em concentrações muito baixas.

Valores preocupantes

Através do estudo agora publicado, e desenvolvido no âmbito do projeto NOR-WATER, liderado pelo CIIMAR (com financiamento do programa INTERREG V-A Espanha- Portugal (POCTEP), pretendeu-se então avaliar o impacto da metformina nos ecossistemas aquáticos e assim contribuir para uma melhor avaliação do risco ambiental deste fármaco.

Para tal, o peixe-zebra foi usado como organismo modelo numa exposição de longa duração a níveis de metformina ambientalmente relevantes.

Os resultados não deixam dúvidas. A metformina apareceu como um destes contaminantes mais frequentemente detetados na água das bacias hidrográficas estudadas, em concentrações médias acima de 400 ng/l. Um valor que, de acordo com os investigadores, induz já um conjunto de efeitos adversos no peixe-zebra

Segundo os dados presentes na literatura, a concentração média de metformina em águas superficiais de todo o mundo aumentou significativamente entre 2006 (100 ng/l) e 2022 (2 362,9 ng/l). Como consequência, a última revisão feita pela EU da lista de substâncias prioritárias que constam da diretiva quadro da água, propôs a integração da metformina como substância prioritária, o que reflete a necessidade urgente de avaliar o risco deste fármaco para a saúde dos ecossistemas aquática.

No entanto, de acordo com esta última revisão desta lista, a previsão de concentração de metformina que não produz efeitos nos organismos aquáticos (PNEC) é de 1 030 μg/l. Já o nível máximo proposto para concentração de metformina no ambiente considerado seguro, tendo em conta as normas de qualidade ambiental (EQS), é de 160 μg/l.

O presente estudo detetou impactos significativos em concentrações de 390 ng/l, ou seja, várias ordens de magnitude inferiores aos valores de PNEC e EQS propostos. Segundo os autores, a lista de substâncias prioritárias precisaria assim de “uma revisão e atualização para valores mais seguros”.

As amostragens decorreram no Norte de Portugal e na Galiza. (Foto: Marlene Pinheiro)

A qualidade ambiental em questão

Existem ainda muitas lacunas sobre os impactos ecológicos da metformina nos ecossistemas aquáticos. No entanto, as concentrações atuais de metformina encontradas no ambiente impactam significativamente vários processos biológicos do peixe-zebra, colocando em risco a saúde dos ecossistemas.

Concentrações tão baixa como 390 ng/l afetaram a sobrevivência dos estádios iniciais da espécie-modelo, alteraram o crescimento ao longo do seu ciclo de vida e diminuíram o sucesso reprodutivo. Também foi observada uma indução massiva da expressão génica da vitelogenina nos machos. A vitelogenina é um precursor de lípidos e proteinas que compõem a maior parte do conteúdo nutricional do vitelo dos embriões e cujo gene é previsto expressar em níveis elevados apenas nas fêmeas. Assim, a indução deste gene nos machos aponta para um efeito feminilizante severo da metformina em concentrações muito baixas.

Acresce que os resultados da análise do transcritoma, ou seja, da expressão dos genes, do peixe-zebra exposto à metformina, revelaram que esta atua como um desregulador endócrino com potencial estrogénico, desregulando genes e vias metabólicas associadas a funções reprodutivas.

Segundo Teresa Neuparth, coautora do estudo e investigadora do grupo de «Disruptores Endócrinos e Contaminantes Emergentes» (EDEC) do CIIMAR, “os critérios de qualidade ambiental propostos para a metformina estão longe de proteger a saúde ambiental e, como tal, deveriam ser atualizados para valores mais seguros, tendo em conta este e outros estudos de avaliação em exposições crónicas de longa duração”.

Os investigadores Nélson Alves e Teresa Neuparth, durante as amostragens. (Foto: Marlene Pinheiro)

Os resultados deste trabalho são particularmente significativos e vão ao encontro da Directiva Quadro da Água da União Europeia , que tem em vista alcançar o bom estado ecológico das águas superficiais e identificar um conjunto de substâncias potencialmente tóxicas, como é o caso da metformina.

Segundo os autores, estudos adicionais deverão ser realizados para aprofundar o conhecimento sobre os efeitos da metformina em outros grupos taxonómicos e os mecanismos que provocam os impactos observados.

Novas metodologias de tratamento de influentes de água residuais urbanas precisavam de ser desenvolvidas assim aumentar a qualidade da água dos nossos rios e proteger a saúde dos ecossistemas.