Mimetizar a reprodutibilidade das comunidades de biofilmes comparando-as a cidades, onde os seres humanos seriam representativos dos microrganismos e os edifícios seriam representativos da matriz protetora que os encerra. Este é o ponto de partida de um artigo científico publicado por Nuno F. Azevedo e Jontana Allkja, investigadores do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), juntamente com Darla M. Goeres (Montana State University – CBE, nos EUA). O estudo foi entretanto publicado na prestigiada revista “Trends in Microbiology” sob o título “Biofilmes vs. cidades e humanos vs. alienígenas – uma história sobre a reprodutibilidade em biofilmes”.

Os biofilmes são comunidades de microrganismos, tais como bactérias e fungos, que se encontram incorporados numa matriz que eles próprios produzem. Estas comunidades são ubíquas no ambiente e na indústria e desempenham muitas vezes papéis cruciais no desenvolvimento de infeções. A questão da reprodutibilidade refere-se à incapacidade dos cientistas replicarem os resultados de um estudo para o outro.

Para melhor visualizar o funcionamento dos biofilmes, os autores utilizaram uma analogia já conhecida que compara estas estruturas a cidades, onde os seres humanos vestem o papel de micróbios e os edifícios seriam o equivalente à matriz protetora que os envolve. Para explicar a dificuldade em obter biofilmes reprodutíveis, os investigadores da FEUP expandem ainda mais esta analogia, imaginando que uma nova civilização chegou à periferia da Terra e começa a estudar as cidades e os seus habitantes.

“Neste cenário, os alienígenas identificariam facilmente características comuns entre todas as cidades: existência de pessoas e habitações ou a disponibilidade de recursos hídricos, por exemplo”, avança Nuno F. Azevedo. “No entanto, seria muito difícil para eles perceberem porque é que cidades situadas em locais aparentemente muito semelhantes se desenvolveram de maneira tão diferente”, continua.

A conclusão, refere o investigador, é que “quando isto é traduzido para o universo dos biofilmes, podemos compreender que para obter uma maior reprodutibilidade em experiências de biofilmes, temos que utilizar técnicas que nos permitam estudar biofilmes com mais detalhe”.

Partindo desta analogia, os autores propõem a criação de uma nova categorização da reprodutibilidade dos biofilmes em diferentes níveis, com base nas diferenças que se podem observar entre as diferentes experiências. Mais concretamente, são propostos quatro níveis diferentes, desde nenhuma reprodutibilidade – onde os biofilmes pareceriam completamente diferentes uns dos outros – até à reprodutibilidade total, onde os biofilmes são idênticos em todos os aspetos de uma experiência para a outra.

Jontana Allkja )à esq.) e Nuno F. Azevedo (à dir.) foram os investigadores da FEUP envolvidos no estudo. (Foto: DR)

Sobre os biofilmes

A comunidade científica sabe que os biofilmes apresentam uma grande tolerância a agressões externas, nomeadamente a agentes antimicrobianos químicos. O assunto tem suscitado o interesse no desenvolvimento de métodos alternativos de controlo de patogénicos.

Estima-se que 80% das infeções microbianas resultam da resistência dos biofilmes bacterianos, o que representa cerca de 100 mil mortes anuais só nos EUA, afetando diferentes atividades humanas e que vão desde o processamento de alimentos, transportes e infraestruturas públicas. Dados recentes apontam para que 65% das infeções microbianas e 80% de infeções crónicas estejam associadas à formação do biofilme, embora não sejam tratadas como tal, o que dificulta o resultado positivo dos pacientes.

Por exemplo, o relatório anual do Centro Nacional de Inovação de Biofilmes (NBIC) do Reino Unido, relativo ao ano 2020, indica que 70- 80%  dos 150 milhões de infeções do trato urinário comunicadas anualmente estejam associadas a cateteres, que resultam em graves problemas de saúde e constituem um encargo económico significativo.

Do mesmo modo, os biofilmes podem abrigar agentes infeciosos humanos no ambiente (por exemplo, descargas de águas residuais) e também causar problemas que custam milhares de milhões de euros anualmente. Os biofilmes podem formar-se em locais críticos nas indústrias alimentares e de bebidas, onde os nutrientes para os microrganismos crescerem estão acessíveis e a limpeza e desinfeção podem ser insuficientes ou desadequadas.

Estas contaminações podem levar à deterioração dos alimentos e provocar intoxicações alimentares, o que mais uma vez leva a avultados prejuízos todos os anos.