Luís Ceríaco, biólogo e curador do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), irá receber uma Bolsa da National Geographic Society para explorar, em Angola, uma das zonas mais misteriosas e fascinantes do continente africano.

Remete para o imaginário das cidades invisíveis de Italo Calvino, esta Serra da Neve que emerge a sul do território angolano. Uma espécie de ilha, num mar de areia. Montanha acima, e já de pés bem assentes na rocha, a descoberta dos seres que a habitam só adensa o mistério. E obriga a aguçar o engenho dos exploradores.

“De repente, no meio de uma área semidesértica e plana, temos uma autêntica ilha de rocha que se eleva mais 1900 metros relativamente a tudo a que a rodeia”, descreve Luís Ceríaco, que já enfrentou esta massa rochosa por duas vezes. É como estar “num barco”, no meio do oceano, e descobrir uma ilha “que é das zonas mais intocadas de Angola”.

Localizada na província do Namibe, em Angola, a Serra da Neve é uma cadeia montanhosa, coberta pela vegetação da floresta de Miombo, que emerge em contraste com a aridez das savanas circundantes de Mopane. Uma espécie de oásis de vegetação a boiar no deserto. As suas características únicas são o íman que atrai os investigadores.

“É o tipo de sensação que qualquer cientista procura”, reconhece o explorador, mesmo que as condições sejam bastante adversas. “O terreno é duro, quente e sem espaço para erros de logística. Não há estradas e os caminhos são precários. Vale a força dos jipes e a audácia dos condutores”.

Luís Ceríaco já descreveu de mais de duas dezenas de novas espécies para a ciência. (Foto: DR)

A descoberta de novas espécies

O isolamento geográfico e ecológico, a fauna e flora por estudar e a descoberta de espécies endémicas transformam esta Serra da Neve num local muito promissor para os cientistas, o que nos leva à bolsa, agora atribuída pela National Geographic Society.

Das duas expedições que Luís Ceríaco já fez à Serra da Neve resultou a descoberta de novas espécies para a Ciência, nomeadamente um acobreado sapo sem ouvidos.

“No decorrer da evolução daquela linhagem”, diz-nos o curador do MHNC-UP, “perdeu-se completamente todo o aparelho auditivo”, o que “coloca questões muito interessantes do ponto de vista evolutivo, ecológico e comportamental”. A começar por: sendo incapaz de ouvir, como deteta o chamamento para acasalar? Este espécime de 31 milímetros de comprimento foi batizado com nome de gelado (pachnodes, em grego), numa homenagem às baixas temperaturas do local onde vive.

Para além desta, Luís Ceríaco fez mais duas descobertas: um lagarto espinhoso (género Cordylus) e uma Osga-Anã (género Lygodactylus).

Partir para o terreno

Os condicionamentos impostos pelo atual estado de pandemia não permitem uma data exata, mas a equipa multidisciplinar liderada por Luís Ceríaco, que terá cerca de dez investigadores (angolanos, norte-americanos, alemães e portugueses), deverá partir para o terreno na segunda metade do corrente ano.

O investigador irá fazer um levantamento, “o mais exaustivo possível, de vários grupos taxonómicos – de plantas a insetos, mamíferos, aves, e claro, anfíbios e répteis”. O objetivo é documentar toda esta biodiversidade desconhecida, entender as relações entre as espécies e o meio ambiente e, claro, potencialmente, descobrir novas espécies.

Luís Ceríaco acredita que todo o trabalho de compilação de dados, convertido em “inventário geral da biodiversidade da Serra”, possa suportar a criação, por parte das autoridades angolanas, de uma área de conservação da Serra da Neve.

Luís Ceríaco em conversa com a população durante uma expedição realizada à Serra da Neve, em 2019. (Foto: DR)

Um diário virtual da expedição

Sempre que a “conexão de Internet por satélite o permita”, salvaguarda o investigador, esta “aventura” por terras africanas, será registada através de um diário virtual. Ao documentar a preparação da expedição científica, as pequenas vitórias e fracassos no terreno e o conhecimento científico que daqui resulta estará também a alertar-se a opinião pública para a necessidade destas expedições com vista ao estudo da História Natural e da Ciência.

Por outro lado, acrescenta Luís Ceríaco, há vários membros da expedição que são fotógrafos experientes, daí que aponte outro o objetivo: “fazer uma exposição fotográfica após a expedição”, a ser apresentada em Portugal, no MHNC-UP, e em museus angolanos.

O recurso a plataformas convencionais ou de divulgação digital pretendem chamar a atenção do público internacional em geral, e do angolano em particular, para a riqueza deste “hotspot da biodiversidade”. Os resultados do trabalho serão também publicados em revistas da especialidade.

Pequena povoação no topo da Serra da Neve durante a expedição de 2019. (Foto: DR)

Sobre Luís Ceríaco

Luís Ceríaco é investigador do MHNC-UP, onde exerce o cargo de curador-chefe. Faz investigação em história da ciência, museologia e biodiversidade, trabalhando em estreita parceria com colegas e museus dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

Doutorado em História e Filosofia da Ciência – Museologia pela Universidade de Évora, é investigador pós-doutorado na California Academy of Sciences, Natural History Museum of the University of Florida, Villanova University e University of Michigan-Dearborn.

Como biólogo, é autor de mais de 80 publicações científicas, tendo sido responsável pela descoberta e descrição de mais de duas dezenas de novas espécies para a ciência.