E se os nossos hábitos diários, como tomar banho ou lavar os dentes, se repercutissem diretamente na nossa alimentação? É esta a pergunta que paira sobre a investigação de Sara Ramos, que concluiu recentemente o Programa Doutoral em Engenharia do Ambiente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

Foi com recurso a várias metodologias analíticas para deteção e quantificação de musks sintéticos (fragrâncias) e filtros-UV, contidos nos habituais produtos de uso e cuidado pessoal, que a investigadora detetou este tipo de contaminantes de forma massiva e contínua na rede de esgotos, tendo verificado a sua acumulação nas lamas de depuração produzidas nas estações de tratamento de águas residuais (ETARs).

Estes poluentes emergentes, compostos de caracterização insuficiente e cujos efeitos e comportamentos são ainda pouco conhecidos, “dificilmente se degradam, apresentam alguma toxicidade para diferentes redes tróficas e tendem a bioacumular-se no meio ambiente”, avança Sara Ramos, também alumna do Mestrado Integrado em Bioengenharia na FEUP.

O problema concentra-se na quantidade destes compostos em lamas de depuração e matéria compostada, uma vez que estas são maioritariamente aproveitadas como fertilizantes ou corretivos agrícolas por possuírem um elevado teor de matéria orgânica, minerais e nutrientes essenciais ao crescimento de culturas.

“É precisamente a recorrência desta prática e a falta de conhecimento do verdadeiro impacto ambiental que pode constituir um risco para o meio ambiente e para a saúde pública, levando à contaminação de alimentos produzidos nestas condições”, conclui a investigadora e antiga estudante da FEUP, que conta já com vários artigos publicados nesta área de estudo.

Em busca de respostas

A investigação, integrada no Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE), simulou uma situação real de aplicação de uma lama de depuração compostada (proveniente de uma ETAR) para fertilização de um solo e nele fazer crescer uma cultura, através de uma câmara de crescimento em condições controladas.

O ensaio final, que contou ainda com o apoio do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Faculdade de Ciências da U.Porto, veio verificar as suspeitas iniciais: os poluentes emergentes podem migrar para as culturas, uma vez que a sua presença em tomates cultivados sob estas condições foi confirmada.

No entanto, e após uma avaliação de risco, conclui-se que “a concentração encontrada era demasiado baixa para causar risco através do consumo humano desta cultura em quantidades habituais numa alimentação saudável”, adianta Sara Ramos.

Micro-Tom foi a variedade de tomate utilizada no estudo em ambiente controlado, sendo posteriormente analisada em relação aos contaminantes-alvo. (Foto: DR)

Mas as perguntas mantêm-se por responder e a investigadora não desiste de procurar respostas: “Quantos gramas de vegetais ou frutas teremos de ingerir para nos colocarmos em risco? Quantos outros compostos emergentes não estamos a detetar porque simplesmente não estamos à sua procura?”.

A verdade é que a investigação conduzida pela alumna da FEUP deu já lugar a um projeto nacional financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) intitulado de “AGRONAUT – Estudo do impacto agronómico da utilização de lamas de depuração através de uma perspetiva de exposição”. O projeto está a ser liderado pela sua coorientadora de tese de doutoramento, a investigadora do LEPABE Vera Homem.