Uma equipa de investigadores do Laboratório de Biologia Celular do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), em conjunto com o Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e o Centro de Genética Médica Dr. Jacinto de Magalhães (CJMJM), propôs um novo modelo explicativo para a Discinesia Ciliar Primária (DCP), o qual abre novas portas para uma melhor compreensão daquela doença que, nas crianças, está associada a infeções respiratórias graves.

A DCP é uma doença rara, crónica e muito grave, que compromete a qualidade de vida dos indivíduos e dos seus familiares, estando frequentemente associada à morte prematura. Na sua origem estão mutações genéticas que têm como consequência uma disfunção nos cílios móveis. Estes são estruturas celulares altamente especializadas com funções e localizações específicas, nomeadamente, nas vias respiratórias, onde são responsáveis pelo transporte do muco-ciliar.

No trabalho publicado na revista Cells, o grupo liderado pelo investigador Mário Sousa do Laboratório de Biologia Celular do ICBAS, estudou precisamente dois genes que são importantes para a função ciliar, uma vez que levam à formação de proteínas envolvidas na formação de estruturas celulares designadas braços de dineína, extremamente importantes para o movimento dos cílios. Propuseram ainda a hipótese de um mecanismo de interação entre esses genes (DNAH5 e DNAH7) na produção do fenótipo da DCP.

“Isto é muito importante porque este mecanismo, embora já descrito para outras patologias também complexas, ainda não havia sido descrito para a DCP e assim poderá também contribuir para a melhoria do diagnóstico, bem como, para melhor compreender os mecanismos da doença”, explica Rute Pereira, primeira autora do artigo.

Segundo a investigadora do ICBAS, “o estudo desta doença é complexo” e inclui  “diferentes técnicas sofisticadas, como microscopia eletrónica, vídeomicroscopia de alta resolução, análise genética (WES), analises bioinformáticas e técnicas de imunolocalização (imunofluorescência)” Em casos mais complexos, pode mesmo ser necessário recorrer a “tecnologias complementares ao estudo já de si elaborado, incluindo estudos bioinformáticos para identificação de regiões de homozigotia (ROH) a partir de dados de WES. Estas tencionam ajudar na filtragem das variantes e assim a melhorar o diagnóstico.”

Rute Pereira é a primeira autora do artigo publicado na revista Cells. (Foto: ICBAS)

Uma nova esperança

O trabalho agora apresentado é o resultado de vários anos dedicados ao estudo da Discinesia Ciliar Primária no seio do grupo liderado pelo investigador Mário Sousa no Laboratório de Biologia Celular do ICBAS, e que envolve ainda os investigadores Rute Pereira, Elsa Oliveira e Luís Gales, para além da colaboração de Telma Barbosa (CHUP) e do investigador Jorge Oliveira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da U.Porto.

O Laboratório de Biologia Celular do ICBAS conta também com uma longa colaboração com o Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), onde Mário Sousa é o responsável pelo diagnóstico da DCP nas crianças. Uma função idêntica à que desempenha – nos adultos – para unidades de saúde como o Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e o Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, Hospital de S. Sebastião, Santa Maria da Feira.

Mário Sousa é Professor Catedrático e Diretor de Serviço do Laboratório de Biologia Celular do ICBAS. (Foto: ICBAS)

Deste trabalho conjunto resultou igualmente a identificação de novas variantes (mutações) genéticas causadoras da doença, conhecimento esse que pode contribuir para um melhor aconselhamento genético de forma a evitar a transmissão da doença. Simultaneamente, ofereceu aos clínicos um diagnóstico mais preciso, evitando erros de diagnóstico e ajudando que estes possam fornecer o melhor tratamento possível ao paciente.

De um modo geral, os resultados obtidos pelo grupo ao longo dos últimos anos contribuíram para fornecer evidências que abrem portas para estudos futuros e assim melhorar os conhecimentos sobre os fatores genéticos envolvidos na patofisiologia da DCP e imobilidade do flagelo dos espermatozóides. Para os investigadores ,”estes são de extrema importância para auxiliar o diagnóstico genético e no desenvolvimento de futuras terapias”.

O que o futuro reserva

O certo é que, dada a complexidade da estrutura dos cílios (numerosos componentes e mecanismos moleculares estão subjacentes à formação, montagem e função dos cílios móveis) e a subsequente heterogeneidade da Discinesia Ciliar Primária, há ainda muito a explorar sobre esta doença.

Investigações usando ferramentas de edição de genoma, tais como o sistema CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), cuja eficácia já foi demonstrada em múltiplos trabalhos de diferentes áreas desde a agricultura à medicina, serão fulcrais para validar as hipóteses sugeridas dos trabalhos em curso. Nomeadamente, para recriar as variantes primeiramente descritas pela equipa em questão em modelos animais.

Mais ainda, poderão aproveitar os recentes desenvolvimentos em plataformas genéticas para combinar diferentes abordagens genéticas a fim de identificar biomarcadores que permitarão melhorar, acelerar e reduzir os custos do diagnóstico da DCP, bem como aumentar o conhecimento atual da doença, e assim abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias para esta e para outras doenças.