Instalação lança reflexão sobre a utilidade que damos ao que se escreve nas redes sociais online.

De um lado, uma das redes sociais mais utilizadas do mundo. Do outro, a poesia oitocentista de Emily Dickinson  (1830-1886). Da improvável reunião entre as duas nasce “´Bring me the sunset in a cup´—Dickinson after Twitter”, uma instalação de arte digital criada por Sandra Coelho, estudante do Programa Doutoral em Media Digitais da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), e desenvolvida por Leandro Perini, no Laboratório de Criação Digital (LCD).

Inspirtado na poesia de Dickinson, o projeto consiste num algoritmo que procura coincidir as palavras encontradas nos ‘tweets’ dos utilizadores da rede social Twitter, com as palavras dos poemas da poetisa natural de Amherst –Massachusetts (EUA). Para cada palavra encontrada a aplicação anexa o nome do contribuidor, hora, data e local. O processo é cíclico e repete-se a cada poema.

“Se souber ou quiser procurar a palavra que se segue no verso, pode escrevê-la numa mensagem no Twitter, e em tempo real poderá ver o seu nome anexado como contribuidor, a hora, a data, e o local se tiver ativado a localização”, explica Sandra Coelho.

De acordo com a estudante da FEUP, “a instalação propõe um desvio à utilização tradicional do Twitter: enquanto o Twitter é uma aplicação desenvolvida para partilhar mensagens escritas instantâneas, a instalação não introduz mas retira das mensagens, com o objetivo de nos fazer refletir sobre a utilidade que damos ao que se escreve nas redes sociais online”.

O projeto “Bring me the sunset in a cup” tem o mesmo título de um dos poemas de Dickinson, que escreveu perto de 1800 textos, apesar de apenas 12 terem sido publicados durante a sua vida. Como refere Sandra Coelho, o primeiro poema foi publicado sem o seu consentimento, e os subsequentes foram reescritos pelos editores conforme a estética da época. “O uso extensivo de hífens e a idiossincrasia de vocabulário encontrados nos seus manuscritos tornam a sua poesia muito particular”, destaca.

Para além disto, acredita-se que Dickinson sofria de agorafobia, o que teria feito com que passasse quase toda a sua vida fechada em casa. “O isolamento do mundo exterior motivou o conceito da instalação, uma vez que enquanto a poetisa se escondia dos outros, as redes sociais online, e em particular o Twitter, não podiam ser mais auto expositivas. Através do Twitter, colaboradores de todo mundo participam na elaboração da poesia de Dickinson”, afirma a estudante. Assim, a ideia para a aplicação “surgiu da vontade de querer associar duas posições antagónicas. Alguém que evitava expor-se, que produziu um extenso trabalho em poesia mas que nunca publicou um livro, por oposição à facilidade e ânsia, com que atualmente cada um, de forma não criteriosa, se expõe, publica, e divulga o que fez no momento”.

O primeiro contacto de Sandra Coelho com a poesia de Emily Dickinson aconteceu durante uma pesquisa sobre a influência do estilo de vida na criação – “porque inevitavelmente criamos a partir do que somos e o que pensamos sobre o mundo que nos rodeia”, explica a estudante da FEUP. “A atitude irreverente para criar livremente independentemente da estética imposta pela época” é o que a estudante considera mais fascinante na trajetória da poetisa.

Atualmente, Sandra Coelho desenvolve trabalho de investigação no Programa Doutoral em Media Digitais na FEUP em parceria com a Universidade de Austin-Texas, EUA, e entre os planos para o futuro está a vontade de continuar a produzir arte digital e prosseguir investigação no Post-Doc.

A instalação “´Bring me the sunset in a cup´—Dickinson after Twitter” está, até ao dia 15 de outubro, em exposição no evento Cri.D.A. Criação Digital Académica, no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (CAAA), em Guimarães.