A Casa Comum da Universidade do Porto, em parceria com o IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema, apresenta, nos próximos dias 3, 4 e 5 de junho, um ciclo de cinema ao ar livre sobre música portuguesa. Em exibição – no Pátio do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP) – estarão três filmes portugueses que tiveram a sua estreia mundial na secção IndieMusic do IndieLisboa e que apontam para três géneros musicais diferentes.

Do punk à vanguarda da música portuguesa, os filmes “em cartaz” são documentos fundamentais para perceber a nossa história. São documentários sobre projetos de vanguarda que surgiram porque era necessário furar a censura de rádios e editoras e outros “só” porque era inevitável.

Uma utopia que fazia discos

Começamos pelo fim. Dia 5 de junho e o filme Ama Romanta – Uma Utopia que Fazia Discos. Projetos musicais como os Mão Morta, Mler Ife Dada, Croix Sainte, Anamar ou Essa Entente poderiam, até, ser apostas de outras editoras, mas Sei Miguel, António Ferreira e a “Música de Baixa Fidelidade” e Nuno Canavarro com a sua “Plux Quba – Música para 70 serpentes”, nem tanto. Para realmente ver este projetos que estavam no avesso do stablishment era necessário alguém que estivesse muito atento a tudo o que não era habitual e com um espírito de independência verdadeiramente underground… E assim era o projeto que, nos anos 1980, nasceu para representar o que era alternativo. De que falamos? De João Peste e a sua utopia que fazia discos, a Ama Romanta, claro está!

Do Rock Rendez-Vous ao Fisga, programa de televisão que deu palco aos Mão Morta, do semanário LP, Jornal de Música criado por Manuela Paraíso, às playlists das rádios, passando pelo incêndio no Chiado e pelas promessas que se cumpriam de joelhos, à volta do Santuário de Fátima… Ama Romanta – Uma Utopia que Fazia Discos, assinado por Carlos Mendes e Vasco Bação, apresenta um retrato do Portugal dos anos 1980. Com muitos acordes de guitarra pelo meio, o documentário faz uma bricolage de sons e vozes como a de Adolfo Luxúria Canibal, Carlos Manso, Fala Mariam, José Marmeleira, Vítor Rua e, claro, João Peste, o ideólogo e criador da editora, projeto que Anamar dizia ser “muito pessoal” e “muito necessário”.

Na verdade, o documentário vive do espírito do vocalista dos Pop Dell’Arte e, do princípio ao fim, é salpicado pelas suas cambiantes deambulações vocais. Uma espécie de metamorfose de vocalizações tão alternativa quanto estranhamente clássica. Hoje seria tão vanguardista como na altura. Das cornucópias que desenhava no ar se fazia o íman que simbolizava o que era inovador. Um futuro servido de bandeja já. Onde todos queriam estar. E ser. “Divergências” foi o primeiro álbum lançado pela editora, em 1986, e sendo um trabalho dos Pop Dell’Arte convergem aqui nomes como Mler Ife Dada, Croix Sainte, AnamarEssa Entente, Grito Final, Bastardos do Cardeal, entre outros. Converge até uma entrevista feita por João Peste ao Sociólogo Paquete de Oliveira sobre “o fascismo das novas ditaduras culturais”, a lembrar que as práticas musicais também podem ser politicas.

Não só estava aberta uma fenda no panorama musical como, muito aos ombros do Rock Rendez-Vous, se espelha aqui a dimensão física que os concertos passam a ter. O “entrar no público sem ele pedir, ou mesmo apesar da resistência dele”, diz-nos Adolfo Luxúria Canibal, vocalista dos Mão Morta cujo primeiro álbum é, precisamente, lançado pela Ama Romanta… Os concertos tinham uma dimensão cénica tão violentamente nascida “do momento”. A lembrar, acrescenta João Peste, a heterotopia e os “espaços reais alternativos” de Michel Foucault.

João Peste, vocalista e mentor dos Pop Dell’Arte , é o principal protagonista de Ama Romanta – Uma Utopia que Fazia Discos.

O nascimento do Punk português

Sinónimo de Punk, nome incontornável da música portuguesa e um dos principais impulsionadores do movimento Punk, o dia 4 de junho será dedicado a João Ribas. Um Punk Chamado Ribas é o nome do documentário sobre a vida e a carreira do músico de punk rock, falecido em 2014.

Nasceu em Alvalade, onde é figura carismática, mas a voz, musculada pela atitude, rapidamente chegou a outros cantos do país. Como músico esteve na origem de várias bandas marcantes do punk nacional, como os Ku de Judas, os Censurados e os Tara Perdida. Também participou em projetos paralelos como, por exemplo, os Kamones e os Osso Ruído. Influenciou muitas gerações de jovens, músicos e um sem número de outras bandas, embora tenha rejeitado sempre a ideia de ser um ícone da música o que, só por si, já demonstra a postura genuína que tinha em relação à música. O seu nome vai estar para sempre ligado à história da música portuguesa.

Um Punk chamado Ribas, filme de Paulo Antunes, conta com a participação de músicos, amigos, familiares e radialistas, traçando um retrato do músico e prestando-lhe, também, homenagem.

João Ribas foi a voz de bandas marcantes do punk nacional, como os Ku de Judas, os Censurados e os Tara Perdida. (Foto: DR)

A alquimia da eletrónica

Mas o ciclo inicia no dia 3 de junho com um filme sobre um género de música que tem o dobro da idade do Rock’n’Roll. Tecla Tónica, de Eduardo Morais, traça um arco sobre a história da música eletrónica portuguesa que vai desde os primórdios, na década de 1960, até ao panorama atual, ou seja, chegando até nomes como DJ Vibe. Colocando o foco na produção nacional e antes da emancipação comercial, foram vários os intervenientes que compatibilizaram o seu léxico musical com a modernização existente à época.

Tecla Tónica explora a alquimia da eletrónica na música produzida em Portugal e respetivos reprodutores, chegando a desenhar a génese de uma maquina como o sintetizador. Documentando a cronologia da evolução tecnológica do género, presente desde as primeiras peças de electroacústica da década de 60 até ao panorama atual, este documentário viaja pela pop eletrónica da década de 80, pela emersão do sampling, culminando na liberdade da pista de dança.

Realizado e produzido por Eduardo Morais (“Meio Metro de Pedra”/ “Música em Pó” / “Uivo”), este documentário surge de uma sinergia entre o próprio e a Jameson, levada a cabo durante o ano de 2015, e conta com a participação de músicos como Carlos Maria Trindade, José Cid, Carlos Zingaro, Vitor Rua, Tó Pereira, Moullinex, entre tantos outros ligados a este género tão fresco como quando por cá surgiu.

Tecla Trónica percorre a história da música eletrónica portuguesa desde os anos 60 do século XX até à atualidade. (Foto: DR)

A secção IndieMusic do IndieLisboa- Festival Internacional de Cinema, faz a ligação entre o cinema e a música, abraçando filmes sobre músicos e bandas de todo o mundo, mergulhando não raras vezes nos contextos históricos, políticos e sociais que acompanham as movimentações musicais.

As sessões dos dias 3, 4 e 5 de junho vão decorrer no Pátio do Museu (à Cordoaria) e começam às 21h30. A entrada é livre.